O presidente francês, Emmanuel Macron, decidiu partir para o tudo ou nada. Após a derrota esmagadora sofrida por sua aliança partidária nas eleições europeias, anunciou na noite de domingo uma nova eleição para a Assembleia Nacional, ou seja, o Parlamento francês.
Após as eleições europeias, o chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, também deve ter se dado conta que os partidos de sua coalizão de governo saíram inegavelmente perdedores: com 13,9%, os social-democratas obtiveram o pior resultado de sua história numa eleição nacional; os verdes caíram para 11,9%; os liberais obtiveram 5,2%.
Desastre anunciado
Três em cada quatro cidadãos alemães estão insatisfeitos com o governo federal, a popularidade dos partidos governistas está no fundo do poço há algum tempo. Mas os resultados das eleições europeias foram ainda piores: até mesmo a ultradireitista AfD, teve um desempenho melhor, com 15,9%.
A clara vencedora da eleição é a aliança oposicionista de partidos conservadores, União Democrata Cristã (CDU)/União Social Cristã (CSU), que, juntos, alcançaram 30%. A tática de transformar as eleições europeias numa votação de protesto contra o governo alemão deu certo: em seu material de campanha, os conservadores convocavam os eleitores a darem um recado nas urnas a Scholz e seus aliados.
Oposição quer novas eleições
A CDU, partido da ex-chanceler Angela Merkel, é encabeçada por Friedrich Merz, e o líder da CSU é Markus Söder. Ambos estão pedindo eleições antecipadas na Alemanha, alegando que o chanceler federal não tem mais legitimidade nem a confiança da população. “Olaf Scholz é um rei sem pátria”, pontificou Söder.
Mas os partidos governistas não consideram convocar novas eleições “nem por um segundo”, enfatizou o porta-voz do governo, Steffen Hebestreit, nesta segunda-feira (10/06), assegurando que o governo pretende cumprir os quatro anos de mandato, até as próximas eleições para o Bundestag, em 2025.
Ao contrário do presidente francês, com um novo pleito Scholz arriscaria perder o cargo. Macron foi eleito diretamente pelo povo para ser presidente até 2027, enquanto o chefe de governo alemão é eleito pela maioria dos deputados do Bundestag.
Por motivos de estabilidade política, não é tão fácil na Alemanha dissolver o Bundestag e convocar eleições antecipadas. O pré-requisito é que o chanceler não consiga mais reunir uma maioria parlamentar para apoiá-lo. Scholz poderia então solicitar ao presidente alemão a dissolução do Bundestag e a convocação de eleições.
Acontece que os partidos Social-Democrata (SPD), Verde e Liberal Democrático FDP não têm interesse algum nisso: além da perda do poder do governo, vários deputados também arriscariam não conseguir ser reeleitos.
Tensões crescentes na coalizão governamental
No entanto coloca-se a questão de se o medo de perder o poder é suficiente para superar os atritos que existem e os problemas dentro da coalizão governamental, pois há muito tempo a relação entre SPD, verdes e FDP não é boa.
As disputas políticas são constantes, e está ficando cada vez mais claro que os interesses políticos de dois partidos fundamentalmente de esquerda e de um partido economicamente liberal são muito díspares. Para o secretário-geral do SPD, Kevin Kühnert, esse é um dos motivos do fraco desempenho do sua sigla nas eleições europeias.
Nos últimos meses, os parceiros da coalizão vinham se advertindo reciprocamente que a colaboração precisava ser melhor, mais construtiva e mais voltada para os resultados. Quase nada foi alcançado, e Kühnert está cada vez mais ciente de que os conflitos não desaparecerão da noite para o dia.
Na verdade, é provável que haja ainda mais controvérsia do que antes. Em 3 de julho o governo alemão apresentará seu projeto para o orçamento federal de 2025. Os cálculos apresentam uma lacuna bilionária entre o que o Estado receberá e o que pretende gastar.
O ministro Finanças e líder do FDP, Christian Lindner, está mantendo silêncio sobre o tamanho exato desse buraco, mas as estimativas variam de 25 bilhões a 50 bilhões de euros. Lindner quer economizar de preferência cortando gastos sociais, a fim de cumprir o “freio da dívida”: essa regra consagrada na Constituição alemã estipula que o Estado só pode gastar quanto arrecada. Muitos no SPD e no Partido Verde, por outro lado, gostariam de suspender o freio e tapar os buracos no orçamento com novos empréstimos.
O papel do FDP
Antes mesmo das eleições europeias, Lindner alertou que quem quisesse relaxar o freio da dívida teria que “procurar outras maiorias políticas”, insinuando que seu partido prefere deixar o governo a abandonar a disciplina orçamentária, bandeira repetidamente defendida pelos liberais.
Scholz sabe disso e está determinado a manter a aliança unida. Portanto, concorda expressamente com Lindner sobre a questão do freio da dívida. Para grande desgosto do SPD, que já estava reclamando mesmo antes das eleições europeias. “O que não pode ser é que sejam cortados 30 ou 40 bilhões do orçamento federal”, reclamou o co-líder social-democrata Lars Klingbeil.
Após a eleição, os social-democratas se tornaram ainda mais insistentes em sua reivindicação. O secretário-geral Kevin Kühnert ressalta que a sigla não apoiará nenhum corte que ponha em risco a coesão social da Alemanha, frisando não conseguir imaginar “nenhum cenário” em que o SPD concordaria com isso.
A legenda exige “social-democracia pura e mais SPD na coalizão de governo”. Será que Scholz está preparado para atender a demanda? Até agora, ele tem se pautado por assumir uma posição prudente de mediador entre os membros da coalizão. Para as eleições europeias, apresentou-se como um chanceler da paz, o que, pelo visto, não funcionou.
Scholz: demonstrativamente calmo
Entretanto, Olaf Scholz não parece abatido ou pensativo com relação à derrota eleitoral. Como se nada tivesse acontecido, após o fechamento das urnas ele passeou ostensivamente relaxado pela festa de campanha na sede do SPD e tirou selfies calmamente com seus companheiros.
A crise mostrou mais uma vez que Scholz não é do tipo que simplesmente joga a toalha. Pelo contrário: resistências e derrotas nunca foram capazes de detê-lo, como se comprovou mais de uma vez em sua carreira política de mais de três décadas. Sempre que caiu, ele se levantou e continuou, sem se deixar abater.
Entretanto, o líder liberal Christian Lindner também demonstra pouca disposição a fazer concessões. Embora o FDP tenha perdido terreno em relação à eleição alemã de 2021, ele ganhou um pouco comparado com a eleição europeia de 2019. Linder interpreta isso como “um forte sinal de estabilização, que também queremos usar politicamente”.
E com os verdes já é possível ter uma ideia do que está por vir para a coalizão governamental. O co-líder do Partido Verde, Omid Nouripour, adverte os parceiros “que colocamos o país acima das cores partidárias”, sobretudo no tocante às próximas negociações orçamentárias. E, quase suplicante, acrescenta que não faz sentido continuar lavando roupa suja em público.