Vale lembrar que os primeiros planos de desenvolvimento nuclear conduzidos pela China datam de outubro de 1964, em pleno auge da Guerra Fria, ao passo que a Coreia do Norte conduziu os seus primeiros testes nucleares apenas em outubro de 2006. Desde então, ambos os países aumentaram constantemente os seus planos de desenvolvimento nuclear, assim como o teste de novas armas mais letais e mais sofisticadas. Fato é que a Coreia do Norte e a China entenderam a necessidade de demonstrar ao mundo seu potencial nuclear com o intuito justamente de sinalizar ao Ocidente, em especial para os Estados Unidos, que não vão aceitar qualquer provocação externa em seus assuntos domésticos.
Do ponto de vista geopolítico, é preciso ter em mente também que a Coreia do Norte é um país altamente importante para a China e a Rússia, por exemplo. Afinal, desde 1948, quando a República Popular Democrática da Coreia (nome oficial da Coreia do Norte) surgiu, ficou acordado entre as potências vitoriosas da Segunda Guerra Mundial que o país faria parte da zona de influência soviética, ao passo que a Coreia do Sul seria apoiada pelos americanos. Todavia, após os comunistas liderados por Mao Tse-tung chegarem ao poder em 1949 na China, Pequim alinhou-se automaticamente com Moscou, formando então uma tríade de Estados (China, União Soviética e Coreia do Norte) que se opunha ao modelo capitalista e de organização social do Ocidente; no ano seguinte, dada a eclosão da Guerra da Coreia (que durou de 1950 a 1953) e a subsequente fixação da divisão política da península em torno do paralelo 38, os Estados Unidos precisaram repensar seus planos para a Ásia. Ao invés de apelar para a via militar, Washington preferiu então discursar sobre o apoio estadunidense a uma possível reunificação das Coreias, que deveria ocorrer sob a égide de Seul e não de Pyongyang. Washington e outras capitais ocidentais até hoje defendem essa fórmula, tendo como exemplo a própria unificação da Alemanha ao final da Guerra Fria, que se deu em detrimento da Alemanha Oriental.
Seja como for, desde seu surgimento tanto a Coreia do Norte como a China de Mao passaram a depender do material bélico soviético, culminando na configuração das disputas geopolíticas que se fixaram na região durante toda a Guerra Fria e para além dela; atualmente, por sua vez, pode-se dizer que o principal receio americano na Ásia se trata da crescente influência chinesa e de sua cooperação tanto econômica como militar com a Coreia do Norte. Como resposta, os americanos optaram por exercer pressão sobre Pequim (e sobre Pyongyang) por meio de parcerias estratégicas com países como Japão, Australia, Índia, Tailândia e, não menos importante, com a própria Coreia do Sul.
Enquanto isso, de acordo com relatórios do Pentágono, a China já possui hoje cerca de 500 ogivas nucleares, ao passo que, segundo dados do Instituto Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo (SIPRI, na sigla em inglês), as ogivas nucleares da Coreia do Norte são em número de 30. Estes dados mostram que ambos os países melhoraram muito sua infraestrutura técnica e militar ao longo dos anos, apesar de sofrerem sanções do Ocidente em diversos momentos durante sua trajetória. Por certo, a China conta com muitas instalações para simular seus testes nucleares, apesar do desagrado do Ocidente. Da mesma forma, a Coreia do Norte de Kim Jong-un.
Na liderança chinesa desde 2013, Xi Jinping pretende manter a capacidade dissuasória de seu país perante os Estados Unidos. Para isso mesmo, a China também conta com mísseis balísticos intercontinentais (ou ICBM, na sigla em inglês) e um Exército cada vez mais bem treinado e bem equipado. É de se esperar, portanto, que com o recrudescimento dessa nova “Guerra Fria 2.0” com os Estados Unidos, a China opte por estimular o crescimento numérico e qualitativo de seu arsenal nuclear e convencional. Tudo isso para proteger os seus interesses de segurança na Ásia e no mar do Sul da China.
Não sem razão, de acordo com observações do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, os esforços da China para modernizar seu Exército e suas forças militares continuarão a crescer significativamente durante os próximos anos, tanto em termos de escala como em complexidade e sofisticação tecnológica.
Quanto à Coreia do Norte, a explicação para o aumento da desconfiança de Kim Jong-un para com os Estados Unidos reside no fato de que os americanos se acostumaram a intervir militarmente em países cujos governos foram tidos como hostis aos interesses de Washington. Exemplos desse tipo de conduta podem ser encontrados nas mais diversas regiões do globo, desde a América Central passando pelo Oriente Médio, Norte da África e mesmo na Asia Central. É em vista dessa ameaça iminente e velada que os Estados Unidos fazem a determinados governos que a desnuclearização da Coreia do Norte se torna um sonho cada vez mais distante. Ora, Kim Jong-un não pretende e nem pode se livrar de sua capacidade dissuasória, a tão duras penas adquiridas. Pelo contrário, sua intenção é ampliá-la, de modo que seus mísseis sejam capazes de colocar os Estados Unidos em risco, se necessário for. Em 2022, por exemplo, a Coreia do Norte conduziu mais de 70 testes balísticos. Com isso, Pyongyang sinaliza que há um limite, uma linha vermelha, que deve ser respeitada pelos americanos, se não quiserem colocar a segurança da Ásia em risco.
Em suma, o impulso de expansão e modernização dos arsenais nucleares da China e da Coreia do Norte tem o intuito fundamental de assegurar os seus governos da intervenção ocidental. Sendo assim, apesar das medidas chinesas e norte-coreanas alimentarem a insegurança de seus vizinhos, não há uma alternativa para Xi Jinping nem Kim Jong-un, sobretudo em vista do cenário recente. Afinal, em um mundo onde os riscos geopolíticos para países indefesos é cada vez mais alto, desarmar-se é o mesmo que suicídio.
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