O chanceler russo viajará à região com uma agenda concreta destinada a aumentar a cooperação entre os países envolvidos, com foco na política, comércio e economia, educação, cultura, assuntos humanitários, entre outros domínios.
“Planejamos focar as negociações no fortalecimento do direito internacional do mundo moderno com base na Carta da ONU”, informou o Ministério das Relações Exteriores da Rússia em comunicado.
“Para nós, a América Latina é uma região amistosa, um dos centros de formação de um mundo multipolar, com a qual a Rússia pretende manter um diálogo dinâmico e desenvolver uma cooperação construtiva que não esteja sujeita a nenhum ditame externo”, ressaltou a pasta.
Segundo as palavras do próprio Lavrov, as autoridades russas defendem sistematicamente “o reforço da cooperação russo-latino-americana com base no apoio mútuo, na solidariedade e na consideração dos interesses recíprocos”.
O alto diplomata enfatizou também que Moscou está disposta a intensificar a comunicação a nível de chefes de Estado e de governo, parlamentos, serviços diplomáticos e outras instituições.
Em entrevista com a Sputnik, o cientista político venezuelano Jonathan Benavides, especialista em geopolítica da Rússia, Leste Europeu e Oriente Médio, afirma que a visita do chanceler russo à região corresponde à intenção da Rússia de ir avançando para um mundo multipolar.
Por sua vez, o doutor em estudos políticos pela New School for Social Research de Nova York Amando Basurto indicou que a turnê diplomática russa pela América Latina tem, principalmente, a finalidade de manter e ampliar os laços de cooperação existentes entre Rússia e Cuba, Venezuela, Nicarágua e Brasil, os países que Lavrov visitará.
Por sua vez, o diretor para a América Latina da Academia de Ciências da Rússia, Dmitry Rozental, disse em entrevista que este périplo diplomático russo visa “manter relações construtivas com estes países, demonstrando que nossa presença política na América Latina é de grande importância”.
Brasil, o país-chave
O acadêmico Jonathan Benavides da Universidade Central da Venezuela destaca o Brasil, pois este país – uma das potências regionais – tem uma relação com Moscou distinta em comparação com as outras três nações incluídas na visita.
“O Brasil pode ser colocado em um segundo lote, no qual há um tipo de relações diferentes, porque o Brasil é parte do BRICS junto com a Rússia, China, Índia e África do Sul. Então há um tipo de relação diferente, mais direta em matéria comercial, econômica e de reposicionamento desses países nessa busca de uma ordem que passe do unipolar ao multipolar“, acrescentou.
A esse respeito, Basurto, que também é acadêmico na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM), garantiu que o gigante sul-americano poderia se beneficiar bastante da visita do chanceler russo para ampliar os laços econômicos bilaterais.
“O Brasil tem toda a intenção de fazer duas coisas: primeiro, usar o canal do BRICS para manter e aumentar o fluxo econômico entre esses países, incluindo, claro, a Índia e a China; e segundo, o Brasil está se propondo, dentro do próprio BRICS e junto com a China, como um país que pode negociar a paz no conflito [na Ucrânia], então é do interesse do Brasil que a Rússia veja isso. Ou seja, tem maior espaço em termos geoestratégicos. […] O Brasil pode se posicionar de maneira importante”, ponderou.
Um tema que tanto a Rússia como o Brasil mencionaram é a possibilidade de efetuar transações comerciais em moedas que não o dólar americano. No que diz respeito a este tema, Dmitry Rozental sublinhou que, apesar de alguns acordos serem viáveis, mudanças radicais não ocorrerão imediatamente.
“É preciso compreender como funcionará o intercâmbio comercial em moedas nacionais. Precisamos entender como vamos usar uma quantidade tão grande de reais brasileiros que podemos obter, o que faremos com eles, para onde vão depois, embora a ideia em si seja correta, dado que o dólar e a dolarização da economia é uma das formas que tornam possível a política de sanções dos EUA“, afirmou.
Os aliados
Benavides apontou também que a visita de Lavrov a Havana, Caracas e Manágua é lógica, pois esses três países sempre foram aliados políticos de Moscou.
“Venezuela, Cuba e Nicarágua, além de aliados comerciais, são aliados políticos [de Moscou] e são os três países que mantêm o discurso na América Latina do confronto com os Estados Unidos. É claro que veem na Rússia um dos grandes países que desafiam essa ordem unipolar que os EUA têm pretendido desde a década de 90, para uma visão geopolítica mais multipolar”, indicou.
Enquanto isso, Rozental argumentou que a política desses três países não deve ser considerada ou definida como totalmente antiocidental. Ele disse que Cuba e a Venezuela tiveram tentativas de aproximação comercial com os EUA, enquanto no caso da Nicarágua, apesar de seu afastamento político de Washington, seu comércio com o país norte-americano é estreito e estimado em bilhões de dólares.
“Estes três países, em primeiro lugar, estão tentando defender seus próprios interesses nacionais e, muito provavelmente, estão tentando obter algumas vantagens da interação tanto com a Rússia, quanto com os países do Ocidente coletivo”, garantiu.
Ao mesmo tempo, frisou que Cuba, Venezuela e Nicarágua são parceiros tradicionais da Rússia, com os quais Moscou manteve relações estáveis ao longo dos anos 2000.
A viagem dos diplomatas russos à região reafirma o posicionamento da Rússia na América Latina, ressaltou Benavides. “A visita cumpre à letra o roteiro da doutrina de política externa da Rússia, aquela que estabelece relações pragmáticas com o resto do mundo, com o que eles chamam de estrangeiro distante”, concluiu.