Finalizada oficialmente em 2021, a operação Lava Jato atuou por sete anos no Brasil combatendo a suposta corrupção envolvida nos contratos de obras públicas do Estado sem nenhuma preocupação com os efeitos colaterais que pudessem surgir.
Regida por promotores do Ministério Público, pela Polícia Federal e até mesmo pelos tribunais, através de juízes como Sergio Moro, a Lava Jato causou um grande revertério em todos os terrenos do Brasil.
Na economia, cerca de 4,44 milhões de empregos diretos e indiretos desapareceram entre 2014 e 2017, reduzindo o produto interno bruto (PIB) em 3,6% nesse período, segundo um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Nas áreas de construção civil, engenharia pesada, indústria metalmecânica e indústria naval, as perdas somaram R$ 142 bilhões. As empreiteiras, evidentemente, foram as principais afetadas, vendo sumir mais de 80% de suas receitas. Em seu lugar, construtoras estrangeiras assumiram as grande obras de impacto.
Já na política, a Lava Jato causou um processo de degradação que passa pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (2011–2016), pela prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pela eleição de Jair Bolsonaro (2019–2022) e segue até os dias atuais, com a ascensão de figuras como Pablo Marçal, candidato a prefeito de São Paulo, e Alexandre Ramagem, candidato a prefeito do Rio de Janeiro.
É o que afirma à Sputnik Brasil o professor de ciência política na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e coautor do livro “A política no banco dos réus: a Operação Lava Jato e a erosão da democracia no Brasil”, Fábio Kerche.
“Foi um marco importante na política brasileira. Houve um processo de criminalização da política, vários partidos sofreram consequências e o sistema político foi fortemente impactado.”
Soft power brasileiro
O período após a presidência Dilma foi de uma queda gradual do protagonismo da diplomacia brasileira ao redor do globo, afirma à reportagem Heitor Erthal, doutorando em relações internacionais no Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas e pesquisador do Observatório de Regionalismo (ODR).
Durante a presidência dos petistas, Lula e Dilma, o Brasil liderou processos de reforma do sistema de governança global, fosse articulando um assento no Conselho de Segurança das Nações Unidas, fosse protagonizando a ascensão do BRICS. Essa tendência é rompida com a chegada de Michel Temer ao poder, cuja principal bandeira diplomática foi a defesa da entrada na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Já com a eleição de Bolsonaro e a escolha de seu ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o Brasil passou por um período de isolacionismo internacional, afastando-se por motivos ideológicos de fóruns de diálogo onde o Brasil possuía protagonismo, como a União de Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC).
Paralelamente a isso e de maneira silenciosa, uma das consequências mais impactantes da Lava Jato se concretizava. A contração das empreiteiras causada pela operação também deu cabo de um projeto estatal de soft power através da construção civil.
Usada há bastante tempo por nações ocidentais e agora alardeada quando utilizada pela China ou pela Rússia, a internacionalização de empresas de engenharia é uma forma eficaz de projeção de poder e mecanismo diplomático, afirmam os entrevistados.
“A construção civil contribui muito para o soft power, até porque as obras de infraestrutura lidam com questões que vão contribuir muito para o desenvolvimento dessas regiões”, explica Erthal.
Entre as obras realizadas por empresas brasileiras estão as hidrelétricas de Manduriacu, no Equador, de Chaglla, no Peru, e de Cambambe, em Angola; a barragem de Moamba Major, em Moçambique; os metrôs do Panamá e de Caracas; o aqueduto de Chaco, na Argentina; o porto de Mariel, em Cuba; e a expansão do metrô em Lisboa.
Há ainda grandes obras nos Estados Unidos, como a expansão do porto e do aeroporto de Miami e do estádio da Universidade Internacional da Flórida.
Erthal explica que para além das relações econômicas, como no uso de insumos e profissionais brasileiros, essa internacionalização das construtoras contribuía também para apresentar o Brasil “como um país que consegue contribuir com modelos de desenvolvimento e como um importante parceiro de cooperação internacional”.
“Boa parte dos problemas que esses países têm o Brasil já teve ou ainda tem. Então o Brasil conseguir atuar nessa área com uma certa identidade que ele poderia construir com os países do Sul Global.”
Essa política foi um projeto de Estado que demandou muito planejamento e investimento público, articulado principalmente pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), diz o pesquisador.
Tudo isso foi impactado diretamente pela Lava Jato, destaca Fábio Kerche.
“O Brasil participava de concorrências internacionais e perdeu muito espaço nesse setor exterior, no qual estava crescendo e ganhando o mercado”, lamenta Kerche.
‘Faz falta’
Com o retorno de Lula e uma política mais tradicional do Itamaraty, o Brasil voltou a participar de discussões internacionais, já tendo atuado, por exemplo, na mediação das tensões entre a Venezuela e a Guiana e na articulação de discussões de paz para o conflito ucraniano.
“O Brasil é uma das dez maiores economias do mundo. É um país muito grande e muito importante, que ficou um pouco escanteado. Agora estamos vendo isso ser retomado”, descreve Kerche.
Para Erthal, no entanto, a ausência desse braço de engenharia na diplomacia brasileira “faz falta”, sem enfraquecer, por outro lado, a retomada diplomática brasileira.
Em sua perspectiva, houve um potencial perdido em decorrência da operação, que não só “deixou de pensar nos funcionários, que não tinham nada a ver com esses grandes esquemas de corrupção das famílias Odebrecht e Camargo Corrêa”…
“Como também fez com que todos os investimentos que o Estado brasileiro fez para o crescimento dessas empresas fossem por cargas d’água.”