“É um absurdo. Obviamente me preocupa essa subida do dólar. É uma especulação. Há um jogo de interesse especulativo contra o real neste país […]. Não é normal o que está acontecendo”, afirmou ele em entrevista à Rádio Sociedade, de Salvador, nesta terça-feira (2).
A reunião, marcada para amanhã (4), será para o governo definir como agir, disse Lula. “Temos de fazer alguma coisa. Não posso falar aqui o que é possível fazer porque se não estaria alertando meus adversários”, declarou o presidente.
Economistas ouvidos pela Sputnik Brasil abordaram as consequências da alta do dólar para a população brasileira e avaliaram as medidas do governo para contê-la até o momento.
Para o professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Luiz Carlos Delorme Prado, o problema das disputas internas tem sido um dos vilões desse descontrole.
“O Brasil tem um volume de reservas muito elevado, espaço para fazer política cambial. Pode vender dólar para evitar que o preço aumente muito e vender títulos do governo brasileiro indexados em dólar. Há vários instrumentos que podem efetivamente contribuir para controlar a variação do dólar. No momento, o Banco Central não vem tendo uma postura de contribuir para segurar a desvalorização do dólar”, opinou ele.
Com a taxa de juros em dólar relativamente alta, como ocorre no Brasil, mencionou, muitos investidores preferem aumentar seu estoque de aplicações em dólar do que aplicar em países em desenvolvimento como o Brasil.
Pressão externa
O ministro da Economia, Fernando Haddad, tem atribuído a alta ao cenário internacional que, segundo ele, é responsável por dois terços da desvalorização do real.
Prado concorda com a afirmação do ministro ao citar a inflação nos Estados Unidos de 13,5% e a taxa de juros acima de 5%. “Nesse tipo de situação tem ocorrido uma valorização do dólar não apenas para o Brasil, mas para várias outras moedas de países de desenvolvimento.”
Mauro Rochlin, economista da Fundação Getulio Vargas (FGV), discorda da posição de Haddad. Para ele, a questão fiscal é a principal debatida e sofrida pelos aplicadores em títulos públicos, que têm medo do descontrole das contas públicas.
“A causa maior dessa alta do dólar não são fatores externos. […] entendo que um fator interno fundamental é a instabilidade fiscal brasileira, a incerteza com relação à adimplência da dívida brasileira”, opinou Rochlin. “Com isso, [investidores] acabam também procurando um porto seguro e o dólar é visto como porto seguro e, portanto, ele se torna mais caro.”
Para o economista Gilberto Braga, professor do Ibmec e da Fundação Dom Cabral (FDC), o governo deveria dar uma demonstração clara com relação à questão do equilíbrio fiscal.
“Se por um lado há um discurso que tem o apoio dos economistas e do mercado feito pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, por outro lado, o presidente da República e boa parte do governo pressionam pelo aumento de gastos […]. Nesse sentido, colocam em dúvida as metas de redução de despesas e de déficit fiscal zero para 2024, que é o compromisso do governo.”
Eleição nos EUA e possível vitória de Trump
Os economistas entrevistados concordaram, no entanto, que uma provável eleição do ex-presidente dos EUA Donald Trump nas próximas eleições pode prejudicar a estabilidade cambial no Brasil.
“A expectativa é de que o governo Trump seja mais protecionista, restrinja a compra de produtos do exterior, levante barreiras alfandegárias à compra de produtos no exterior. E a tendência é que os preços subam um tanto mais, o que impacta a inflação, empurra a taxa de juros para cima […]. Significa dizer que os títulos americanos ficam mais atraentes, o que tira capital do Brasil”, concluiu o economista da FGV.
As falas de Lula nas últimas semanas sobre o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, e os gastos públicos também causaram a alta elevada, avaliam alguns dos entrevistados.
“As declarações do presidente Lula deixam o mercado um tanto mais estressado e com mais incerteza. Isso aumenta a chamada aversão ao risco dos investidores. Com isso, eles buscam uma aplicação segura”, pondera Rochlin.
“Cria uma expectativa de que vai haver uma intervenção do governo na política cambial. Em vez de acalmar o mercado, tem o efeito contrário para um mercado mais especulativo e volátil”, acrescentou o professor do Ibmec.
Na opinião do professor da UFRJ, de acordo com o Banco Central, as declarações de Lula são pertinentes, pois o Banco Central hoje está na mão dos grandes operadores financeiros e prejudica a capacidade do governo de gerir a política monetária.
“Deixou de ser o Banco Central que defende os interesses da sociedade brasileira para prestar mais conta ao mercado financeiro do que à ordem democrática”, criticou. “Isso é um dos indicadores de que o Banco Central independente, em um país como o nosso, é muito ruim. Em vez de gerar mais estabilidade, gera mais instabilidade”, expôs Prado.
Ele ainda defendeu que o governo não deve fazer cortes drásticos de gastos para atender a pressões de curto prazo.
“Se o governo faz isso, perde a capacidade de gerir a economia e os interesses da sociedade se enfraquecem. Na verdade, a saída seria, se houvesse espaço político no Congresso, mudar o regime do Banco Central para permitir a troca do presidente e de outros diretores pelo governo atual, que é quem tem a legitimidade democrática de gerir o país. Ninguém elegeu o Banco Central, elegeu o atual governo”, completou ele.
O impacto da alta do dólar no bolso do brasileiro
O dólar mais caro tem impacto mais danoso para a população mais pobre no Brasil, concordam os especialistas ouvidos nesta reportagem. Por exemplo, todos os produtos — importados, nacionais que usam insumos importados, além das commodities que o Brasil exporta, vendidas em dólar — ficam mais caros.
“O dólar tem um impacto de aumento de custos generalizado de insumos na economia, que começa com petróleo, vão para os seus derivados como plástico e em termos de equipamentos importados, itens importados, softwares e tecnologia, porque aumenta custos e isso pressiona a inflação. A inflação corrói o poder de compra da população, principalmente a população primeira no gerado”, exemplificou Braga.
Parado salientou que a alta impacta de forma diferente as diversas classes sociais, mas “seu pior efeito agora para o governo é sobre a política inflacionária, sobre a taxa de inflação. Por isso o governo está tão preocupado”.
“O dólar é um preço importante, porque uma parte importante do que nós consumimos tem insumos importados e, com isso, o preço do dólar acaba impactando a inflação no Brasil”, explicou Rochlin.