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Altos e baixos nas relações entre Brasil e EUA

Relações se iniciaram logo após a Independência e tiveram seu ápice na Política da Boa Vizinhança e na Segunda Guerra. Em geral cordiais, também passaram por momentos difíceis, como golpe de 1964 e espionagem da NSA.

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Historicamente marcadas pela cordialidade, as relações entre o Brasil e os Estados Unidos deverão voltar a um patamar de normalidade diplomática no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Isso depois de quatro anos de exceção na política externa brasileira, um período que analistas já definiram para a DW Brasil como sendo de alinhamento automático com os Estados Unidos.

O governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, um entusiasta do ex-presidente Donald Trump, adotou uma estratégia de viés personalista na relação entre os dois países no período em que o mandato do brasileiro coincidiu com o do republicano.

Assim, o Brasil muitas vezes assumiu, de forma automática, a agenda da política externa americana. Isso incluía a participação numa espécie de “conexão judaico-cristã para salvar a civilização”, como definiu um especialista para a DW Brasil.

A aliança brasileira com os Estados Unidos de Trump e com Israel do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu tinha um viés antiglobalista, de resistência a órgãos internacionais, como as Nações Unidas.

O ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo, outro apoiador de Trump, chegou a escrever um artigo, antes de virar chanceler sob Bolsonaro, no qual afirmava que Trump poderia “salvar o Ocidente”.

Governos do PT

Nos governos petistas anteriores, de Lula e Dilma Rousseff, a política externa brasileira havia procurado se afastar de uma posição vista por líderes petistas como subalterna aos grandes blocos de poder, em especial os Estados Unidos e o Ocidente.

A desconfiança da esquerda brasileira em relação aos Estados Unidos é antiga. Além de um componente ideológico que remete à Guerra Fria, ela se explica pela história: os apoios dos EUA a golpes de Estado na América Latina, ou mesmo a participação neles, e os subsequentes apoios aos regimes militares que se seguiram.

Assim, a chegada ao poder do maior partido da esquerda brasileira trouxe consigo certa expectativa de como seriam as relações do Brasil com os Estados Unidos.

Lula, e também Dilma, apostaram na integração regional (Mercosul), na chamada Cooperação Sul-Sul (em especial com os países africanos), e também na aproximação com outras potências regionais, mesmo que de governos autoritários, como a Rússia e a China, em especial no âmbito do Brics, de olho no comércio.

Isso não significa, contudo, que as relações com os Estados Unidos tenham sido postas de lado. Lula foi duas vezes aos EUA se encontrar com o presidente George W. Bush, e este esteve duas vezes no Brasil. A relação de Lula com Bush, um republicano, foi, aliás, melhor do que com Barack Obama, um democrata.

Dilma com Obama em 2015, num encontro do Panamá, já depois do escândalo da NSA

O que azedou as relações entre Brasil e Estados Unidos nos governos petistas foi o escândalo de espionagem da NSA, o serviço secreto americano que grampeou os telefones de Dilma e de ministros e assessores dela. O escândalo levou a presidente a cancelar uma visita de Estado – a mais elevada na diplomacia – a Washington, onde seria recebida por Obama, em 2013.

Na época, chamou a atenção na Europa o fato de que a postura de Dilma em relação às revelações de espionagem foi muito mais dura do que a adotada por líderes europeus.

Agora, após o retorno de Lula à Presidência da República, o desafio da diplomacia brasileira será equilibrar uma posição de defesa da democracia (que pautou a oposição do PT a Bolsonaro e pela qual obteve o apoio do governo de Joe Biden) com os interesses comerciais brasileiros na China e na Rússia, dois regimes autocráticos e antagonistas dos Estados Unidos.

Ao lado do chanceler federal da Alemanha, Olaf Scholz, Lula já descartou ajuda à Ucrânia, o que é hoje uma prioridade dos EUA e do Ocidente, certamente para não desagradar a Rússia.

Parceria histórica

Brasil e Estados Unidos têm um histórico de proximidade diplomática que começa já em maio de 1824, com o reconhecimento da independência do Império do Brasil pelos Estados Unidos, menos de dois anos depois do “Grito do Ipiranga”, e o estabelecimento de relações diplomáticas.

Isso se deu em 26 de maio de 1824, quando o então presidente do Estados Unidos, James Monroe, recebeu o encarregado de negócios do Brasil junto aos Estados Unidos. Monroe punha em prática, assim, o que ele mesmo havia estabelecido um ano antes e que ficaria conhecido como a Doutrina Monroe.

Esta podia ser resumida na frase “A América para os americanos”. A doutrina, contrária ao colonialismo europeu, definia as bases da política externa a ser adotada pelos Estados Unidos para as antigas colônias europeias na América, que iam, uma após a outra, conquistando sua independência.

Tanto durante o império quando nas décadas iniciais da República, o relacionamento entre as duas nações foi marcado pela cordialidade. O imperador dom Pedro 2º até mesmo visitou os Estados Unidos em 1876, no âmbito das comemorações dos 100 anos da independência do país da América do Norte.

Já na chamada República Velha, foi sobretudo a atuação do Barão de Rio Branco à frente do Itamaraty, de 1902 a 1912, que garantiu o bom andamento das relações diplomáticas, naquilo que, décadas depois, o historiador norte-americano Bradford Burns chamaria de a “Aliança não escrita”.

O termo sugere que as relações entre Brasil e EUA eram marcadas pela reciprocidade e pelo apoio mútuo mesmo sem um tratado diplomático bilateral formal.

Ápice dessa fase foi a abertura da embaixada do Brasil em Washington, em 1905. O que hoje parece ser algo banal era raro na época, exclusivo de grandes capitais. Em 1904 apenas sete países tinham embaixada em Washington (Alemanha, Áustria-Hungria, França, Grã-Bretanha, Itália, Rússia e México), nenhum país tinha embaixada no Brasil. Também não havia embaixadas dos EUA na América do Sul.

A Política da Boa Vizinhança

Nos anos 1930, o Brasil se tornou um dos principais alvos da política externa do presidente Franklin Delano Roosevelt para a América Latina, conhecida como a Política da Boa Vizinhança.

O principal princípio dessa política era a renúncia dos Estados Unidos a interferir em assuntos internos ou mesmo intervir numa outra nação americana, renunciando assim ao que havia sido definido no governo do presidente Theodore Roosevelt, em 1904, no chamado Corolário Roosevelt.

Filmes de Walt Disney foram um dos pontos altos da Política da Boa Vizinhança

A Doutrina Monroe originalmente não previa intervenções. A alteração dela por meio do Corolário Roosevelt levou os EUA a adotar uma postura de polícia internacional e a interferir em vários países americanos, incluindo o envolvimento na Revolução Mexicana, na década de 1910, e a ocupação do Haiti, em 1915.

A ideia de que os Estados Unidos passariam a ser um “bom vizinho” incluía também uma abordagem cultural, o que se refletiu no intercâmbio de artistas entre Brasil e Estados Unidos e na assimilação de artistas e elementos da cultura popular brasileira pela indústria cultural dos EUA.

Carmem Miranda em 1948, quando já conhecia a fama em Hollywood

Foi aí que surgiu o Zé Carioca, criado por Walt Disney, que passou várias semanas no Rio de Janeiro. E também a ida de Carmen Miranda, então a cantora mais famosa do Brasil, para Hollywood é uma consequência da Política de Boa Vizinhança.

Além de Disney, também os diretores de cinema Orson Welles e John Ford visitaram o Brasil. E o escritor gaúcho Erico Veríssimo foi aos EUA, onde também teve obras suas traduzidas e publicadas.

A Política da Boa Vizinhança aprofundou as relações entre Estados Unidos e Brasil, o que se mostrou ainda mais importante para os EUA diante do aumento da influência, sobretudo comercial, mas também ideológica, da Alemanha nazista na América do Sul a partir dos anos 1930.

Base área de Natal e a FEB

Com o início da Segunda Guerra Mundial, o Brasil, como fornecedor de matérias-primas, cresceu em importância tanto para a Alemanha como para os Estados Unidos. O governo do presidente Getúlio Vargas mantinha uma posição de neutralidade ambivalente entre os dois polos, tendo no governo representantes de forte tendência ao Eixo, como o ministro da Guerra, Eurico Gaspar Dutra, e outros de forte inclinação para os EUA, em especial o ministro das Relações Exteriores, Osvaldo Aranha.

A ambiguidade brasileira refletia as divisões internas do governo. Mas muitos historiadores também veem pragmatismo nessa postura, tanto por interesses comerciais como porque o Brasil tinha um trunfo que interessava aos dois lados: o Nordeste, mais precisamente Natal e Fernando de Noronha, de importância estratégica para o apoio às operações militares no norte da África.

E o governo Vargas usou esse trunfo para obter vantagens econômicas. Um empréstimo do governo americano possibilitou a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), em Volta Redonda, o berço da industrialização brasileira. A outra opção era a Alemanha, com a participação da Krupp.

A contrapartida à CSN foi o alinhamento gradativo e definitivo do Brasil aos Aliados manifesto inicialmente nas construções de bases militares americanas em solo brasileiro (Natal) e, depois, na criação da Força Expedicionária Brasileira (FEB). A famosa visita dos presidentes Franklin Delano Roosevelt e Getúlio Vargas a Natal, já em janeiro de 1943, serviria para acertar detalhes da participação brasileira.

Com o ataque japonês a Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, e a entrada oficial dos americanos na guerra, a posição pró-Aliados dentro do governo brasileiro se tornaria ainda mais forte, pois o interesse dos Estados Unidos pelo que acontecia no continente americano era cada vez maior.

Getúlio Vargas e Franklin D. Roosevelt se encontram em Natal para acertar a base aérea dos EUA no Nordeste

Assim, em 28 de janeiro de 1942, o Brasil rompeu relações com os três países do Eixo, e, no final de agosto do mesmo ano, declarou guerra à Alemanha e à Itália. A FEB, porém, seria criada apenas um ano depois, e iria se unir ao esforço de guerra em julho de 1944, a menos de um ano do final do conflito.

Golpe de Estado de 1964

A presença dos militares da FEB na Itália, em combates ao lado dos americanos, elevou a influência dos Estados Unidos nas Forças Armadas brasileiras, bem como o intercâmbio entre oficiais brasileiros e americanos.

Muitos brasileiros foram estudar no exterior, principalmente na Escola das Américas no Panamá, centro de treinamento “anticomunista” criado pelos Estados Unidos, e na National War College, que serviu de inspiração para a criação da Escola Superior de Guerra.

Essa relação entre os militares dos dois países acabaria desempenhando um papel no golpe de Estado de 1964, sobretudo pela presença no Brasil, como adido militar, de Vernon Walters, um velho conhecido dos militares brasileiros dos tempos da Segunda Guerra. Walters, que falava português, havia sido o elo entre as tropas brasileiras e aliadas na Itália.

Mas nem por isso foram os EUA que idealizaram o golpe. O golpe de Estado que depôs o presidente João Goulart em 1964 foi planejado e executado por militares brasileiros que eram contrários, inicialmente, a Vargas e depois ao herdeiro político dele, Jango, com o apoio de parte da sociedade brasileira e também da imprensa.

Se o governo dos Estados Unidos não esteve diretamente envolvido na deposição, é certo, porém, que acompanhava a situação com atenção (pois temia que o Brasil seguisse os passos de Cuba), instigava a derrubada de Jango, financiava opositores, simpatizava com os golpistas e estava preparado para ajudá-los militarmente, se isso viesse a ser necessário.

Em julho de 1962, o embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, reuniu-se na Casa Branca com o presidente John Kennedy para falar sobre a situação política no Brasil. A conversa foi a primeira a ser gravada pelo novo sistema secreto de gravações do Salão Oval. Na reunião, Gordon opinou que era importante fortalecer os militares contrários a Jango por causa do perigo “comunista”, como disse Kennedy, interrompendo o interlocutor e completando a frase.

A guinada comunista de Cuba, sob Fidel Castro, tornara o governo americano extremamente sensível a qualquer movimento da esquerda latino-americana. E Jango, na visão dos EUA, já dera sinais de que poderia abrir o Brasil para o comunismo.

O governo americano chegou a preparar um apoio militar, que incluía um porta-aviões, seis contratorpedeiros, um porta-helicópteros e quatro petroleiros. Mas a Operação Brother Sam, como ficou conhecida, foi abortada em alto mar por não ser mais necessária: Jango estava no Uruguai, e o golpe havia triunfado.