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As acusações que pesam contra Bolsonaro

Ex-presidente é acusado de crimes que vão desde incitar um golpe de Estado a genocídio dos povos indígenas e charlatanismo na pandemia. Entenda.

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Uma ampla lista de acusações pesa contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, em diferentes esferas judiciais e relacionadas a diversos supostos crimes atribuídos ao seu comportamento e decisões que tomou como chefe de Estado. O futuro político do ex-mandatário dependerá intrinsecamente de seu destino jurídico.

8 de Janeiro pode ter piores consequências

Numa das acusações mais recentes, Bolsonaro foi incluído no rol de investigados em inquérito do Supremo Tribunal Federal (STF) que apura a responsabilidade pelos atos antidemocráticos do 8 de Janeiro. O inquérito 4.921, que apura a invasão das sedes dos Três Poderes, é o que pode ter as consequências mais graves para o líder da extrema direita brasileira.

Bolsonaro entrou no rol de investigados a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). O pedido foi assinado por membros do Ministério Público Federal, e não pelo procurador-geral Augusto Aras, que foi nomeado ao cargo pelo ex-presidente.

Na visão do grupo de procuradores, Bolsonaro fez incitação pública à prática de crime ao postar vídeo no dia 10 de janeiro questionando a regularidade das eleições presidenciais de 2022. A postagem foi apagada após a veiculação, no dia 11 de janeiro. 

Para os procuradores, apesar de o vídeo ter sido postado depois dos atos golpistas, é preciso apurar a eventual conexão probatória com o ocorrido e investigar atos relacionados do ex-presidente antes do 8 de Janeiro.

Há, hoje, sete inquéritos no STF para apurar as responsabilidades pelos ataques e atos de violência de 8 de Janeiro. Estão sob investigação os seguintes crimes, que podem eventualmente vir a abarcar condutas de Bolsonaro: terrorismo, associação criminosa, abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, ameaça e perseguição.

Ação eleitoral por abuso de poder

O ex-presidente também responde a uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije), ajuizada pelo PDT, por suposta prática de abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação durante evento com embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada em julho de 2022. 

Em reunião transmitida por canais oficiais do governo, como a TV Brasil, e diversos canais nas redes sociais, em plena campanha política, Bolsonaro fez ataques ao sistema eleitoral e a autoridades do Poder Judiciário. A defesa do ex-presidente já tentou tirar o caso da corte eleitoral, sem sucesso.

No último dia 7 de fevereiro, o relator do processo, corregedor-geral eleitoral, ministro Benedito Gonçalves, negou o pedido de Bolsonaro para que a minuta do decreto de estado de defesa, encontrada na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, fosse excluída da ação eleitoral. Quatro testemunhas devem ser arroladas ainda em fevereiro para depoimentos. Se condenado, Bolsonaro fica inelegível por oito anos, mas pode haver outras implicações, como multas.

Genocídio indígena

A eventual responsabilidade de Bolsonaro e de ações de seu governo pela tragédia yanomami também está sob apuração no Brasil e no Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia.

A pedido do ministro Luís Roberto Barroso, do STF, a Procuradoria-Geral da República, o Ministério Público Militar, o Ministério da Justiça e a Polícia Federal (PF) apuram se agentes do governo Bolsonaro e o então presidente teriam praticado crimes de genocídio e delitos ambientais que colocaram sob ameaça a vida, saúde a segurança diversas comunidades de povos originários.

Na petição 9.585, que tramita em sigilo no STF, Barroso determinou que sejam coletados documentos relacionados ao quadro de “absoluta insegurança dos povos indígenas envolvidos, bem como a ocorrência de ação ou omissão, parcial ou total, por parte de autoridades federais, agravando tal situação”, e que possam apontar eventual conivência do governo federal com o garimpo ilegal em áreas indígenas.

Denúncias em Haia

No total, tramitam no Tribunal Penal Internacional seis denúncias contra Bolsonaro. A primeira foi protocolada em novembro de 2019, pelo Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos, por “crimes contra a humanidade” e “incitação ao genocídio dos povos indígenas”. O coletivo lista 33 medidas adotadas na administração Bolsonaro que teriam facilitado o genocídio de indígenas.

A segunda denúncia é de abril de 2020, apresentada ao TPI pela Associação Brasileira de Juristas pela Democracia, que busca responsabilizar Bolsonaro por “atitudes absolutamente irresponsáveis” na gestão da pandemia de covid-19 e pede que ele seja enquadrado em crime contra a humanidade por expor a vida de cidadãos brasileiros.

Também em 2020, o PDT apresentou outra denúncia contra Bolsonaro ao TPI, acusando-o de crime contra humanidade por contrariar determinações da Organização Mundial da Saúde e adotar uma postura negacionista que agravou a curva de óbitos e infectados no país.

A quarta denúncia também aborda o genocídio indígena e foi apresentada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil. Acusam o governo Bolsonaro de tomar ações deliberadas para exterminar etnias indígenas, com aval ao garimpo ilegal e total negligência à saúde indígena.

Até o Movimento Brasil Livre, cujos integrantes chegaram a apoiar Bolsonaro, recorreu a Haia no final de 2021, pedindo que ele seja julgado pelo crime de genocídio por causa das ações na pandemia. Essa foi a quinta denúncia.

A última delas foi protocolada em maio passado, por entidades internacionais – Deutsche Umwelthilfe, Avaaz, Bourdon & Associates e AllRise –, que aponta uma suposta responsabilidade de Bolsonaro pelo aumento do desmatamento na Amazônia, elevação da emissão de CO2 no planeta e do número de incêndios na floresta.

Possível cooperação com os EUA

O TPI atua em casos relacionados a quatro crimes: genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade (crimes ocorridos contra a população civil num contexto sistemático) e crime de agressão (o ato de usar a força armada contra outro Estado, como vem ocorrendo na Ucrânia).

Mas é um tribunal subsidiário, que atua somente caso as instituições nacionais não julguem potenciais acusações sobre esses crimes. Apenas nessa hipótese a procuradoria do tribunal poderia abrir uma investigação, explica Lucas Carlos Lima, professor de direito internacional na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisador convidado na Sorbonne.

“O genocídio é um crime de alto nível de prova, devendo existir tanto os atos cometidos com caráter genocida, e a intenção de destruir em todo ou em parte um grupo nacional, étnico, racial ou religioso”, ressalta.

Se Bolsonaro for eventualmente condenado pelo TPI e ainda estiver nos Estados Unidos, onde se encontra desde o fim de dezembro, o professor diz que certamente o governo brasileiro tentaria uma cooperação com os EUA para a entrega do ex-presidente ao tribunal internacional.

Outros inquéritos 

O ex-presidente ainda é alvo de cinco inquéritos que tramitam no Supremo, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, que ainda não decidiu se os enviará à primeira instância. 

Além do inquérito sobre o 8 de Janeiro, Bolsonaro é investigado em inquéritos que apuram vazamento de dados de investigação sigilosa da PF sobre ataque cibernético ao Tribunal Superior Eleitoral, associação falsa entre a vacina contra a covid-19 e o risco de contrair o vírus da aids, tentativa de interferência indevida na PF e vínculo com organizações para difusão de fake news sobre o processo eleitoral (milícias digitais e atos antidemocráticos).

A gestão do ex-presidente durante a pandemia também pode vir a ser objeto de condenações. Ele pode ser investigado no âmbito da Justiça Federal (sem prerrogativa de foro) pelos crimes referentes a omissão, emprego irregular de verbas orçamentárias e charlatanismo no combate à pandemia de covid-19, conforme apontou o relatório final da CPI da Pandemia.

Processos na primeira instância  

O ex-presidente nega todas as acusações e que deseje ficar nos Estados Unidos no longo prazo. No sábado, ele afirmou em palestra em uma igreja evangélica na Flórida que pretende voltar ao Brasil nas próximas semanas.

Eduardo Biacchi Gomes, doutor em direito e professor de direito internacional da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, afirma que Bolsonaro deverá ser citado e ouvido nos processos que tramitam na Justiça brasileira. Ele poderá responder em juízo mesmo estando em outro país, por videoconferência, o que já é amplamente aceito no Judiciário.

“Hoje os meios eletrônicos facilitam esta possibilidade de realização de audiências. Naturalmente ele pode comparecer em juízo e responder a esses processos”, afirma.

Gomes salienta ser impossível prever prazos para que Bolsonaro se torne réu em algum processo. Ele observa que o ex-presidente, agora, não tem mais foro privilegiado, o que leva os novos processos à primeira instância

Na sexta-feira, a ministra Cármen Lúcia, do STF, determinou o envio de oito pedidos de investigação contra Bolsonaro para serem avaliados pela primeira instância do Judiciário. A maioria dos pedidos diz respeito à atuação o ex-presidente em um ato em 7 de setembro de 2022, no qual ele repetiu sua retórica antidemocrática e afirmou que não acataria decisões do STF.

Os ministros Edson Fachin e Luiz Fux também enviaram outros dois pedidos de investigação de Bolsonaro à primeira instância. Um é uma queixa-crime do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), por difamação – Bolsonaro disse que o parlamentar negociou compras de vacina sem licitação. Outro é uma queixa-crime da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) contra Bolsonaro, por injúria, e diz respeito aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade.