Nesta quinta-feira (15), o Brasil e a China completam 50 anos de uma relação marcada por muitas mudanças e parcerias comerciais, culturais, econômicas e sociais.
Para entender mais um pouco sobre como essa relação funciona, o podcast Mundioka, da Sputnik Brasil, convidou especialistas para detalharem um pouco como se deu a relação Brasil e China.
Brasil e China na linha do tempo: momentos de uma relação duradoura
O professor Renato Ungaretti, doutorando em estudos estratégicos pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS), destacou marcos cruciais e as complexidades dessa parceria estratégica.
“São 50 anos de relações que passaram por diferentes estágios. […] O restabelecimento das relações ocorreu em 1974, durante o governo [Ernesto] Geisel, um momento crucial em que o Brasil buscava afirmar sua autonomia no cenário internacional, mesmo em meio à ditadura militar”, observou o professor.
Naquele período, a China enfrentava um isolamento internacional, e a reaproximação com os Estados Unidos no início dos anos 1970 ajudou a abrir portas para novas relações diplomáticas. O analista explicou que “a China estava tentando superar seu isolamento e, ao mesmo tempo, o Brasil via a China como um parceiro importante para assegurar sua autonomia e enfrentar desafios como o choque do petróleo“.
O professor destacou que, apesar das diferenças ideológicas, “o pragmatismo responsável” do governo brasileiro facilitou o restabelecimento das relações. A partir de então, a parceria se consolidou, especialmente com a criação da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban) e a assinatura de planos de ação conjunta.
A entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC), em 2001, marcou um ponto de inflexão significativo.
“Com a ascensão econômica da China e a demanda crescente por commodities, o Brasil se tornou um fornecedor crucial”, explicou Ungaretti.
Mas as relações comerciais entre os dois países explodiu mesmo a partir de 2004, conforme indica Marina Moreno, bacharel em relações internacionais, mestranda em economia política internacional pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista residente no think tank Observa China.
“Entre 2004 e 2014 as relações acabaram atingindo um novo patamar. São os governos do PT, principalmente o governo Lula, que transformam a relação com a China expandindo de maneira sem precedentes o comércio e os investimentos bilaterais.”
Além disso, a especialista reafirma que não somente as relações comerciais expandiram nesse período, mas houve uma aproximação mais estratégica, “uma sinergia mais política”, descreve, citando como exemplo da consolidação de uma parceria estratégica a criação de mecanismos como a Cosban, a cooperação em vários fóruns internacionais, inclusive o G20 e a criação do BRICS.
Foi justamente nesse período, mais precisamente em 2008, durante a crise financeira global, que China e Brasil tiveram um momento de aproximação mais forte, recorda Moreno.
“Essa crise acaba não atingindo muito a China, e é nesse momento que o país vai desenvolver uma relação comercial e de investimento diferenciada”, ou seja, ao contrário das outras economias, a China “estava em um processo de crescimento liderado pelo investimento, demandando cada vez mais insumos e mais commodities. Ela [a China] não só continua a importar como aumenta as importações e seus investimentos externos, e o Brasil vai surfar nessa onda. [O Brasil] é um desses países que se torna um dos principais parceiros comerciais da China naquela época, ainda que a posição de parceiro número um tenha se consolidado depois.”
Atualmente, o comércio entre os dois países ultrapassa os US$ 150 bilhões (R$ 821,89 milhões), com produtos como soja, petróleo e minério de ferro dominando as exportações brasileiras para a China. No entanto, Ungaretti alertou para a necessidade de diversificar as exportações brasileiras, a fim de evitar a dependência excessiva de poucos produtos.
Quanto à adesão do Brasil à Iniciativa Cinturão e Rota, conhecida também como Nova Rota da Seda, o analista relembrou que, até agora, o país não assinou o memorando de entendimento. “O Brasil ainda avalia os custos e benefícios dessa adesão. Embora haja vantagens potenciais, como investimentos em infraestrutura, também existem riscos associados à percepção geopolítica e à eficácia dos compromissos”, comentou.
Ele também abordou a questão da influência cultural chinesa no Brasil. “A distância geográfica e cultural, além do idioma, limita a penetração do soft power chinês no Brasil”, afirmou. No entanto, reconheceu que a crescente interação entre os dois países pode fortalecer esses laços culturais no futuro.
Por fim, Ungaretti refletiu sobre os primeiros contatos entre Brasil e China antes do restabelecimento formal das relações. “Nos anos 60, houve trocas e diálogos, mas a relação foi limitada pelo isolamento da China e pelas políticas anticomunistas da Guerra Fria. Foi apenas nos anos 70, com um contexto internacional mais favorável, que a relação começou a se consolidar.”
O Brasil depende hoje mais da China do que o contrário?
Para Moreno, o Brasil depende, sim, muito mais da China do que vice-versa.
“A gente está falando aí de uma aproximação comercial muito grande que, claro, a gente pode falar em superávit em termos de valores, mas a China está muito mais bem posicionada nas cadeias globais de valor. A China tem um poder de paridade de compra maior do que os Estados Unidos, se a gente for falar de BRICS, por exemplo. A China figura como muito mais importante, maior e mais profunda economicamente em termos de investimento do que o Brasil”, explica.
A especialista destaca que a importância do Brasil para a China reflete, entre outras coisas, a preferência dos produtos que eles importam.
“O Brasil é importante porque a China talvez tivesse que importar de outro país com quem ela tem uma relação que é um pouco mais belicosa, por exemplo, os Estados Unidos”, enfatiza.
Moreno ainda destaca que a tendência é que essa dependência brasileira continue, sobretudo se o país seguir caminhando para um processo de “reprimarização da pauta exportadora”, em vez de fazer transferência de tecnologia e avanços técnicos.
Qual será a agenda entre os países para os próximos 50 anos?
Como novidade na relação entre os países, Moreno aposta que a agenda de sustentabilidade, sobretudo relacionada à transição energética justa, restauração de biodiversidade e países mais ricos que mais poluem, pagarem a conta pela poluição, deve ganhar força nos próximos anos. Segundo a especialista, a China já está agindo nesses temas.
“A China está criando um processo de desenvolvimento verde muito grande. Inclusive existe a parte da Rota da Seda, que é a Rota da Seda verde. O Brasil também está nessa fronteira […] e, principalmente, na verdade, dentro do G20. É uma pauta superimportante que permeia todas as discussões do G20, discussões da governança global.”
Nas relações comerciais, a especialista entende que as exportações de commodities e produtos do setor primário para a China devem continuar a figurar com destaque. Por outro lado, espera-se que setores mais tecnológicos e de maior valor agregado sejam importados do gigante asiático para ajudar em temas como o da transição energética.