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Bomba atômica: quem, quando, onde e por quê?

O atual acordo de não proliferação de armas nucleares está prestes a ser enterrado. Países, antes “proibidos” de desenvolver armas atômicas, tendem a rever suas posições

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Robert Lewis (1917-1983) era o piloto da missão secreta americana que colocaria fim à segunda guerra mundial e abriria as portas do inferno nuclear à humanidade, com a explosão da primeira de duas bombas atômicas que dizimaram parte do Japão, em 6 de agosto de 1945

Ele estava a bordo da aeronave B-29, responsável por carregar o artefato nuclear Little Boy que, tão logo detonado, pulverizou instantaneamente 150 mil moradores de Hiroshima. Era uma bomba de Urânio. Três dias depois, em 9 de agosto, uma outra carga atômica, desta vez de plutônio, chamada Fat Man, explodiu sobre Nagasaki, incinerando 80 mil pessoas. 

Lewis retratou o horror – a que assistiu como protagonista – em um diário. Nele, além de desenhos do “cogumelo atômico”, relatou detalhadamente a missão e reproduziu a pergunta que fizera a si mesmo: “Deus, o que fizemos?”. A partir daqueles dias, o mundo jamais seria o mesmo. A corrida nuclear tornou-se frenética e, desde então, vivemos à espera do juízo final.

À beira do abismo

Com arsenais nucleares capazes de destruir o planeta dezenas de vezes, Estados Unidos e a então União Soviética, extinta em 1991, como consequência direta do retumbante fracasso do socialismo no leste europeu, logo após o fim da segunda guerra mundial, deram início à chamada Guerra Fria

Relatos históricos fidedignos mostraram, anos depois, o quão próximos da destruição planetária estivemos, em ao menos duas ou três ocasiões – a mais conhecida foi a “Crise dos Mísseis de Cuba” (1962), quando os soviéticos iniciaram a instalação de mísseis nucleares na ilha caribenha, logo após a Revolução Cubana, em 1959.

Com a queda do muro de Berlim, em 1989, e o fim da União Soviética, uma Rússia em frangalhos (social, econômico e político) e dezenas de outros países menores, órfãos da todo-poderosa União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), fragmentaram-se enquanto assistiam, já com o passar de anos anteriores, a uma Europa Ocidental cada mais forte e aliada incondicional dos Estados Unidos, a partir da criação da OTAN, em 1949.

O “fator Putin”

Peço desculpas ao leitor amigo pela longa contextualização, mas importante e necessária. Fato é que, desde o início da década de 1990, militares e oligarcas russos jamais aceitaram o fim da União Soviética, e sempre tentaram – inclusive através de assassinatos, atentados e conspirações de toda sorte – retomar o poder perdido com a Glasnost e a Perestroika, movimentos de abertura e reforma politica de Mikhail Gorbachev (1931-2022).

Em 1999, um ambicioso ex-oficial da Inteligência russa assumiu a Presidência do país após a renúncia do então presidente Boris Yeltsin. Vladimir Putin havia sido o primeiro-ministro e, desde então, com sucessivas mudanças constitucionais e um regime violentamente opressor – e persecutório contra qualquer tipo de oposição, incluindo prisões e assassinatos – o tirano russo ocupa o poder. 

Aos 72 anos, gozando de ótima condição física, tendo (em tese) apoio popular e incondicional subserviência dos militares, Putin sente-se cada vez mais à vontade para prosseguir com seu projeto de refundanção do império soviético. As invasões à Ucrânia (2014 e 2022) são apenas a face mais aparente da megalomania imperialista do ditador sanguinário.

Irmãos camaradas

Mas Putin não está, bem como jamais esteve, sozinho. Sua principal aliada é outra conhecida autocracia, a China, sobretudo após a chegada de Xi Jinping ao poder do Partido Comunista, em 2012. Juntos, e associados a duas outras ditaduras, Coreia do Norte e Irã, formam o chamado Eixo Autocrático, e mesmo com todos os boicotes e embargos econômicos impostos pelos EUA e países europeus, graças a esta aliança – e à dependência europeia do gás russo -, Putin consegue sustentar suas atrocidades.

Como já percebeu o leitor amigo, acabei contextualizando mais uma vez. Novamente foi necessário. Mas chegamos aos dias atuais – extremamente perigosos e angustiantes. Com a eleição de Donald Trump e o apoio popular dos americanos às suas medidas cada vez mais tresloucadas, o planeta experimenta o início de um novo ciclo, uma espécie de nova ordem mundial, aparentemente, nada alvissareira.

Rasgando acordos e tratados de décadas com aliados históricos; ameaçando abandonar a Ucrânia, caso não se submeta às suas chantagens e extorsões comerciais; largando a Europa Ocidental à própria sorte e, na prática, dando início ao fim da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), a, até então, garantidora da paz mundial; fazendo acenos sólidos à tirania de Putin e, não menos grave e importante, ameaçando seguir na mesma trilha imperialista-expansionista, Donald Trump traveste-se como a mais nova Besta do Apocalipse.     

Resta saber quando

O atual acordo de não proliferação de armas nucleares está prestes a ser enterrado. Coreia do Sul, Alemanha, Itália…Países, antes “proibidos” de desenvolver armas atômicas, tendem a rever suas posições, já que os Estados Unidos da América acabam de abdicar de seu poder de líder e defensor do mundo livre. A União Europeia já anunciou um plano de investimento de 800 bilhões de euros em segurança militar. A França, de Emmanuel Macron, sem meias-palavras, acendeu a luz vermelha e soou o alarme, se referindo à Rússia, de Vladimir Putin, como “Uma ameaça real à Europa”.

Já os russos, em comunicado na quinta-feira, 6, afirmaram que não irão “tolerar ameaças” e que não aceitarão a presença de forças militares de paz na Ucrânia em caso de um cessar-fogo. Aspas para Putin: “Ainda há pessoas que querem voltar aos tempos de Napoleão, esquecendo-se de como tudo acabou”. Com os EUA fazendo vistas grossas ou dando as mãos ao carrasco russo, o risco de a guerra se alastrar pelo continente europeu é real. E com ele, por consequência, o risco de uma escalada nuclear.

Os otimistas, ou aqueles que evitam enxergar a realidade tal qual ela é, alegam que Donald Trump é um bravateiro e que sempre recua em suas decisões radicais, como no caso das tarifas contra o México e o Canadá. A grande e fundamental diferença, contudo, é que em diplomacia, principalmente nos casos envolvendo a segurança territorial de países, bravatas são suficientes para uma reversão completa de rumos. Nenhuma nação irá confiar nos EUA, ou em qualquer outro “guardião” exclusivo, outra vez. O que está feito, infelizmente, está feito.