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Brasil espera arcabouço fiscal enquanto dívida pública incha

Projeção de dívida pública de quase 80% do PIB no final do ano preocupa: não se sabe se o pacote fiscal, em gestação pelo governo, poderá cumprir promessa de Lula de controlar rombo e aumentar investimento público.

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A dívida pública brasileira, medida em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), deverá voltar a crescer a partir deste ano, ainda que com baixa probabilidade (apenas 22%) de superar o patamar de 90% até 2026, segundo cálculos da Instituição Fiscal Independente (IFI).

A instituição projeta déficits primários para 2023 e 2024 e, em decorrência, taxas da dívida pública de 78,5% do PIB em 2023 e de 81,5% em 2024, na contramão da atual tendência de queda. O país fechou 2022 com a proporção em 73,5%. Foi o segundo ano de recuo do percentual.

A atual situação vem preocupando economistas do país, sobretudo por ainda ser desconhecido o arcabouço fiscal em gestação no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “É um cenário de crescimento continuado da dívida, de elevado risco de sustentabilidade e piora para as contas públicas”, comenta a economista e diretora do IFI, Vilma Pinto.

O que quer o novo governo?

Ela ressalta que as projeções disponíveis na instituição não incluem a nova regra fiscal do governo, que poderá vir a público a esta semana. “Não sabemos exatamente como ficará essa nova regra fiscal e como isso pode eventualmente alterar nosso cenário”, complementou.

Na sexta-feira passada (17/04), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que a nova regra fiscal está nas mãos de Lula. Nesta segunda-feira, teve reuniões com os presidentes da Câmara, Arthur Lira, e do Senado, Rodrigo Pacheco, e com lideranças no Congresso Nacional.

O novo arcabouço fiscal, ou nova regra fiscal, um conjunto de medidas que determinam como o governo pode gastar as verbas orçamentárias, deve substituir o teto de gastos, como previsto na chamada PEC da Transição.

Na prática, depois da modelagem pela Fazenda, o novo arcabouço passa por uma espécie de digestão dentro do próprio governo e ministérios, fase em que poderá haver divergências. Batido o martelo na forma final, o governo envia a proposta fiscal ao Congresso Nacional, onde também pode sofrer alterações.

O governo tem até 31 de agosto para enviar o novo arcabouço ao Congresso. Mas tanto a Fazenda quanto o Planejamento querem antecipar o encaminhamento para março, como forma de demonstrar compromisso fiscal.

Apoio no Congresso

Há mais desafios. A aprovação do arcabouço fiscal pelo Congresso exigirá expressivo apoio parlamentar para o governo, que precisa mobilizar uma base política ainda em formação.

Um observador que acompanha de perto o parlamento brasileiro lembra que serão duas as propostas em trâmite: a fiscal e a tributária, também complexa. Isso pode ampliar o tempo de tramitação de ambas, considerando que 2024 será ano de eleições municipais e o ritmo de trabalho no Congresso diminui no segundo semestre. Ou seja, a janela de aprovação seria o segundo semestre deste ano e o primeiro do ano que vem.

“Acho que o momento é de máxima incerteza. Tudo depende do que será não só anunciado, mas aprovado no Congresso”, analisa Solange Srour, a economista-chefe do Credit Suisse, cuja compra pelo seu maior rival, o grupo também suíço UBS, por 3 bilhões de francos suíços, foi recém-anunciada, pondo fim às preocupações de curto prazo em relação à crise da instituição que está entre as 30 intimamente ligadas ao sistema financeiro mundial.

Investir, mas sem gastar demais

Nas últimas semanas, circularam extraoficialmente diferentes versões do que poderia ser a nova regra fiscal: âncora de controle de gastos, trava à expansão da dívida federal, variação do PIB per capita para a despesa, entre outros aspectos.

O ministro da Fazenda chegou a declarar em entrevista que a regra seria “uma combinação virtuosa” dos principais mecanismos atuais de controle das contas públicas.

Idealmente, o novo arcabouço deveria conciliar a sustentabilidade das contas públicas com o aumento do investimento público, uma das promessas mais repetidas pelo presidente da República.

Os indicadores e projeções, no entanto, dão bem o tamanho da ambição. Relatório divulgado semana passada pelo IFI mostra que o superávit primário necessário para estabilizar a dívida pública seria de 1,5% ao ano no médio prazo, de 2022 a 2031.

“O médio prazo é mais relevante do ponto de vista de sustentabilidade fiscal”, explica a diretora do IFI. No curto prazo, para 2023 e 2024, o esforço seria ainda maior: o superávit necessário chega a 3,6% ao ano.

Levando em conta as projeções do próprio IFI de déficit primário para 2023 (-1,4% do PIB) e para 2024 (-1,2%), estabilizar a dívida em proporção ao PIB no médio prazo exigiria ajuste perto de 3% do PIB. Para manter a relação dívida pública/PIB estável no curto prazo, o ajuste saltaria para 5% do PIB.

“Esperamos que as sinalizações futuras, particularmente a definição da nova âncora fiscal, contribuam para melhorar o cenário econômico e fiscal, de modo a promover sustentabilidade da dívida pública no médio e longo prazo”, diz Vilma.

Dívida no nível de 2017

Não se fala hoje exatamente do risco de uma crise de insolvência da dívida pública: o foco é na sustentabilidade de sua trajetória. Aliás, a queda nos últimos dois anos da proporção dívida pública/PIB – que bateu perto dos 90% no primeiro ano da pandemia – dá alguma margem maior de trabalho.

“Adveio a pandemia, a expansão de gastos, mas, mesmo assim, no fim de 2022, conseguimos uma taxa de 73%, voltando a níveis de 2017”, comenta o economista Carlos Kawall, ex-secretário do Tesouro Nacional e fundador da Oriz Partners.

O que fez a diferença durante a pandemia, prossegue Kawall, foi o forte crescimento da arrecadação. Isso, por conta da reabertura da economia, preço das commodities, o setor do petróleo com aumento de produção e de preços (as cotações do barril subiram muito com a guerra da Ucrânia), além da própria inflação.

Na comparação com outros países, o Brasil se saiu relativamente bem na passagem da pandemia, até chegar ao resultado do fim de 2022. “Aí o que preocupa muito é a decisão do governo, já depois das eleições, de acabar com o teto de gastos”, comenta Kawall.

Daí a atenção de economistas, acadêmicos, bancos privados e organizações. “Todo ano você tem déficit primário, paga juros altos, a dívida aumenta, o juro incide sobre uma dívida maior e o PIB não cresce, a dívida explode. Essa não é uma situação sustentável. Você não pode ter déficit primário, juro real sobre a dívida elevado e o PIB crescendo pouco. Um dos três tem de ceder”, projeta o pesquisador associado e professor do FGV Ibre, Armando Castellar, ex-chefe do Departamento Econômico do BNDES.

A média das projeções indica crescimento do PIB de apenas 0,89% em 2023 e 1,5% em 2024, conforme expectativas colhidas pelo Banco Central. Isoladamente, o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV Ibre), estima crescimento inferior, de 0,3%, ou perto da estagnação.

O Credit Suisse trabalha com projeção de crescimento do PIB brasileiro de 0,7%. “A nova regra fiscal vai ser crível não só para o mercado, mas para a academia e a sociedade, se houver controle de gasto, porque gasto é uma variável que o governo realmente pode controlar”, completa Srour.