Nesta segunda-feira (17), os ministros das Relações Exteriores de Brasil e Rússia se reuniram no Palácio do Itamaraty para debater questões bilaterais e temas prementes da política internacional.
O encontro foi realizado no âmbito da visita de Lavrov à América Latina, que teve o Brasil como primeiro destino oficial.
“O que nos une é a vontade de formar um mundo mais justo, multipolar, (…) que reflita o interesse de todos os Estados, e não o de um grupo determinado de países”, afirmou o diplomata russo durante a conferência de imprensa realizada após o encontro, no Palácio do Itamaraty.
Os chanceleres confirmaram que a crise ucraniana esteve na pauta da reunião. Os diplomatas debateram não só o contexto que levou ao conflito, mas também a proposta brasileira para iniciar negociações diplomáticas.
“Hoje nós conversamos sobre o contexto que é necessário levar em consideração para resolver esse problema, não de uma maneira apressada, mas baseando-se em negociações de longo prazo […] que vão considerar os interesses de segurança de todos os Estados sem exceção”, disse Lavrov.
O diplomata declarou que a Rússia tem interesse de encerrar o conflito o quanto antes e reafirmou a necessidade de impedir que o território da Ucrânia seja utilizado para ameaçar a segurança nacional russa.
“Estamos interessados em acabar com o conflito ucraniano o mais rápido possível. Já explicamos detalhadamente em várias ocasiões as razões do que está acontecendo, os objetivos que perseguimos a esse respeito”, declarou Lavrov.
De acordo com o russo, “nossos colegas ocidentais realizam uma luta severa para manter sua postura dominante em assuntos de internacionais […] e isso deu o impulso para a situação atual das relações entre Rússia e OTAN, União Europeia, e inclusive no que se refere ao processo na Ucrânia”.
Lavrov agradeceu ao Brasil por entender “a gênese dessa situação” e pelos esforços para dar a sua contribuição para a solução do conflito. Já o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, reiterou a postura de seu país em relação ao conflito e pediu um cessar-fogo.
“Reforcei a disposição brasileira para contribuir para a solução pacífica para o conflito”, disse o chanceler Vieira. “Reiterei nossa posição em favor de um cessar-fogo negociado, com respeito aos direitos humanitários e uma solução negociada com vistas à paz duradoura.”
O Itamaraty ainda recebeu do diplomata russo a garantia de apoio da candidatura do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU.
“Reafirmamos hoje nosso apoio à candidatura do Brasil a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, assim como apoiamos a Índia e a necessidade de atender aos interesses do continente africano”, disse Lavrov.
A expressão diplomática de Lavrov é uma referência ao fato de que a África ainda não chegou a um consenso sobre qual será o seu candidato à um assento no conselho mais importante da ONU.
EUA dão o recado
A cobertura da grande mídia brasileira sobre a visita de Lavrov foi tomada por declarações fornecidas anonimamente por diplomatas dos EUA, descontentes com a disposição brasileira em receber o chefe da diplomacia russa.
Para o especialista em Rússia do Núcleo Avançado de Avaliação de Conjuntura (NAC) da Escola de Guerra Naval, Pérsio Glória de Paula, o Brasil acerta ao receber Lavrov.
“Teria sido estranho se não tivéssemos recebido o [chanceler russo Sergei] Lavrov. O Brasil é um país soberano e a abordagem do governo Lula para a política externa nos primeiros meses tem ressaltado isso”, disse Glória de Paula à Sputnik Brasil.
Segundo ele, é “descabido acusar o Brasil de se alinhar com China e Rússia”, já que o posicionamento brasileiro em relação ao conflito ucraniano é “coerente, neutro e soberano”.
“Ceder a nossa autonomia na confecção da política externa pro pressões internacionais iria na contra mão dos nossos interesses”, afirmou Glória de Paula.
O especialista acredita que os esforços do governo brasileiro para negociar a paz através de um clube de países “com notória presença do Sul Global […] aparentemente desagradou aos EUA“.
“Críticos dizem reiteradamente que o Brasil vai gerar descontentamento no Ocidente. Mas aqui cabe ressaltar que o bloco ocidental também é parte ativa no conflito”, declarou Glória de Paula. “Não cabe fazer uma política externa para agradar aos EUA, o Reino Unido, ou quem quer que seja.”
“Cair na retórica da Guerra Fria 2.0, numa suposta luta de ‘democracias’ contra ‘autocracias’, de caráter puramente ideológico, não atende aos interesses nacionais e pode prejudicar a autonomia e soberania brasileira na arena internacional”, disse o especialista.
Glória de Paula ainda lembrou a recente visita do assessor internacional de Lula, Celso Amorim, a Moscou, “o que indica a relevância que a Rússia tem para o Brasil e para setores da economia brasileira”.
A Rússia também dá sinais de priorizar suas relações com o Brasil, já que Celso Amorim foi recebido não só pelo chanceler russo, Sergei Lavrov, mas também pelo presidente do país, Vladimir Putin.
Durante a conferência de imprensa realizada pelos chanceleres, o brasileiro Mauro Vieira anunciou convite do presidente Putin para que Lula realize uma visita à Moscou.
“Lavrov comunicou o convite do presidente Putin ao presidente Lula da Silva para organizar uma visita oficial à Rússia”, anunciou Vieira. “Vamos trabalhar para definir uma data conveniente para ambas as partes.”
Terminada a reunião com Mauro Vieira no Itamaraty nesta segunda-feira (17), Lavrov deve seguir para almoço de trabalho com diplomatas brasileiros e russos. Em seguida, Lavrov deve seguir ao Palácio do Planalto para se reunir com o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva.