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Brasil tem o 3.º maior juro do mundo; inflação, governo e emprego pressionam taxa

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Terceiro colocado no ranking mundial de juros reais (já descontada a inflação), o Brasil corre o risco de subir mais uma posição caso persistam as tendências recentes de alta nas expectativas de inflação e desvalorização do real.

No fim de julho, logo após a última decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de manter a Selic em 10,5% ao ano, o Brasil tinha uma taxa real de 7,36%. À frente estavam Turquia, com juros reais de 12,13% ao ano, e a Rússia, com 7,55%, segundo o site MoneYou.

O Copom está pronto para puxar o gatilho, avaliam economistas do Itaú. Segundo o banco, a ata da última reunião, publicada na terça-feira (6), aponta que “ficou claro que todo o comitê, não apenas alguns membros, está pronto para aumentar a taxa Selic caso as tendências nas expectativas de inflação e na dinâmica da taxa de câmbio persistam”.

O estrategista-chefe da corretora Warren Rena, Sérgio Goldenstein, diz que a ata reforçou o desconforto com a ampliação da desancoragem das expectativas e a depreciação cambial. E citou outros fatores, como o dinamismo da atividade econômica e do mercado de trabalho, e a existência de mais riscos para cima no IPCA.

O conteúdo da ata agitou o mercado de juros, com uma forte elevação nas taxas de curto prazo. A taxa do DI para janeiro de 2026 passou de 11,23% na segunda-feira (5), para 11,55% no encerramento da terça, o que sinaliza para uma alta de 0,25 ponto percentual na reunião de setembro.

As probabilidades de alta na taxa de juros no próximo mês cresceram, de acordo com as negociações de contrato de opção do Copom, na B3. A expectativa de uma alta de meio ponto percentual era de 22,74% na sessão desta terça, contra 16% na segunda. A probabilidade de um aumento de 0,25 ponto percentual passou, nos dois dias, de 12,5% para 14%. A de manutenção caiu de 72,5% para 58,5%.

“Se o Copom decidir aumentar a Selic, isso poderá encarecer o crédito, desacelerar o consumo e os investimentos, e impactar negativamente o crescimento econômico. No entanto, se optar por não aumentar, o risco é de uma inflação mais alta, o que comprometeria a estabilidade econômica”, destaca André Colares, CEO da Smart House Investments.

Preocupação com a inflação é cada vez maior na discussão sobre juros

As preocupações com a inflação e suas expectativas são cada vez maiores. Na ata, o BC ressaltou que o cenário global incerto e o doméstico, marcado por maior resiliência na atividade econômica, elevação nas projeções do IPCA e expectativas desancoradas “demandam acompanhamento diligente e ainda maior cautela.”

As projeções do mercado financeiro para o índice de preços vêm aumentando a cada semana. O boletim Focus mais recente, divulgado na segunda-feira pelo Banco Central, mostra que o ponto médio das expectativas para a inflação em 2024 está em 4,12%, cada vez mais próximo do teto da meta, que é de 4,5%. No início do ano, a projeção mediana era de que o IPCA fosse de 3,9% em 2024.

Não são só as expectativas para 2024 que estão avançando. O mesmo ocorre com as de 2025, que começaram o ano em 3,5% e agora estão em 3,98%.

“A manutenção dos juros em 10,5% sinaliza um esforço da política monetária para ancorar as expectativas, mas podem ser necessários ajustes adicionais caso as expectativas de inflação se deteriorem nas próximas semanas”, destacam o analista de inteligência de mercado Victor Arduin e o head da mesa de câmbio Felipe Schukar, ambos da Hedgepoint Global Markets.

Atividade econômica e mercado de trabalho aquecidos pressionam preços

Um fator que ajuda a alimentar a inflação é o aquecimento da economia brasileira. “Os dados de atividade econômica e de mercado de trabalho seguem com maior dinamismo do que era esperado”, destaca a ata do Copom.

O ponto médio das projeções para o crescimento do PIB em 2024, no Focus, está em 2,2% – maior nível desde outubro de 2021. O Monitor do PIB, da Fundação Getulio Vargas (FGV), aponta que a taxa acumulada de crescimento da atividade econômica nos 12 meses encerrados em maio foi de 2,4%.

A ata do Copom também aponta que indicadores de alta frequência, como os de comércio e serviços, reforçam o diagnóstico de resiliência da atividade econômica e sustentação do consumo ao longo do tempo, em contraste com o cenário de desaceleração gradual originalmente antecipado pelo comitê.

Estudo realizado pelo banco Daycoval aponta que a alta temperatura no mercado de trabalho, marcada pelo baixo desemprego e alta demanda em alguns setores, pode se tornar um obstáculo à redução da taxa Selic.

O desemprego fechou o trimestre móvel encerrado em junho em 6,9%, a taxa mais baixa desde dezembro de 2014. O número de trabalhadores com carteira assinada chegou a 46,8 milhões, também em junho, o maior número desde o início da série histórica. No primeiro semestre, segundo dados do Novo Caged/MTE, o país abriu 1,3 milhão de postos formais de trabalho, 26,2% mais que na mesma época de 2023.

Segundo o projeto Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), os salários tiveram um reajuste mediano de 5% em 12 meses até junho, o que assegurou um ganho real de 1,7% acima da inflação medida pelo INPC. Já são 19 meses consecutivos de aumentos reais.

“A resiliência da atividade econômica, somada a um mercado de trabalho cada vez mais apertado, que não tem perspectiva de dar margem para alívio das principais métricas de inflação acompanhadas pelo Banco Central (serviços subjacentes e intensivos em trabalho), deve impedir a retomada do ciclo de afrouxamento monetário e forçar a autoridade monetária a deixar aberta a possibilidade de voltar a elevar a taxa Selic caso necessário”, diz José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos.

Situação fiscal é “batata quente” para a definição de juros pelo Copom

Outro problema que dificulta o Brasil em ter juros mais baixos é a situação complicada das contas públicas. Dados do Banco Central (BC) mostram que, nos 12 meses encerrados em junho, o resultado primário (gastos do governo, excluídas as despesas com juros da dívida pública, menos a arrecadação) foi deficitário em 2,44% do PIB. Ao fim do governo de Jair Bolsonaro (PL), em dezembro de 2022, havia um superávit de 1,25%.

O endividamento público também vem aumentando: em junho ele chegou a 77,6% do PIB, nível mais alto desde fevereiro de 2022. “Essa trajetória ascendente da dívida tem gerado preocupações no mercado e motivado o governo a adotar medidas de ajuste fiscal”, citam os analistas da Hedgepoint Global Markets.

O foco, entretanto, tem sido medidas objetivando ampliar a arrecadação e não a redução dos gastos.

Segundo a Hedgepoint, o BC vem destacando a resposta negativa do mercado à agenda fiscal do governo: os contingenciamentos anunciados são bem-vindos, mas tidos como insuficientes para cumprir a banda inferior do arcabouço fiscal. O mais recente foi de R$ 15 bilhões, anunciado em julho.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vem mantendo uma postura dúbia sobre a necessidade de um ajuste fiscal via corte de gastos, mesmo após reuniões com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

“Não tem nenhum problema se é déficit zero, se é déficit de 0,1% [do PIB], se é déficit de 0,2% [do PIB]. O importante é que este país esteja crescendo, que a economia esteja crescendo, que o emprego esteja crescendo, que o salário esteja crescendo”, disse Lula em entrevista à TV Record, em 16 de julho.

O tema estará na agenda de discussões da Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), em evento que faz parte da comemoração dos 80 anos da entidade, no dia 15, em Curitiba, e que conta com o apoio da Gazeta do Povo.

A mesa redonda contará com a participação do presidente do Conselho Superior do Movimento Brasil Competitivo (MBC), Jorge Gerdau, do economista-chefe do BTG Pactual e ex-secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, e do ex-presidente Michel Temer.

Preocupações com o cenário externo ganham força

Um cenário que também preocupa é o externo. A aversão ao risco se espalhou pelos mercados na segunda-feira, derrubando bolsas em todo o mundo. No Brasil, o dólar chegou a ser negociado a R$ 5,864, mas na sequência, com alguma normalização nos mercados externos, recuou. Por volta de 12h desta quarta-feira (7), a moeda estava cotada a R$ 5,62.

Os receios com uma possível desaceleração da economia norte-americana após dados mais fracos sobre o mercado de trabalho divulgados na sexta-feira (2) foram o estopim que levou à deterioração do mercado financeiro mundial. Segundo a Bloomberg, o mercado já vê chance de que o Fed (o BC norte-americano) tenha de fazer um corte emergencial nos juros antes da próxima reunião em setembro, para evitar uma recessão.

O estrategista-chefe da corretora Avenue, William Castro Alves, aponta que outras preocupações também estão no radar do mercado:

  • a elevação dos juros no Japão, o que pode levar a um fortalecimento ainda maior do iene. Isto afetaria as empresas japonesas, que dependem muito das exportações em seus resultados;
  • a realização de lucros no setor de tecnologia americano, depois das altas observadas nos últimos 12 meses; e
  • as tensões geopolíticas no Oriente Médio.

“Entendemos que o movimento exige parcimônia e calma do investidor. Vemos a reação do mercado como exagerada e repercutindo o receio de uma forte e/ou grave recessão à frente, a qual vemos como altamente incerta. Tal qual como vimos em outros momentos de estresse do mercado, seria razoável supor valorização do dólar ante o real”, diz Alves.

Uma maior perda de valor da moeda brasileira frente à americana poderia trazer mais inflação para o Brasil, uma vez que muitos produtos, como as commodities e os importados, são cotados em dólar. Desde o início do ano, a taxa de câmbio aumentou 17,4%.