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Como a nova ordem geopolítica consolida as parcerias estratégicas entre Brasil e Rússia?

O presidente da Câmara Brasil–Rússia de Comércio explicou como os fertilizantes russos se tornaram a porta de entrada para a consolidação de parcerias estratégicas entre Brasília e Moscou, apesar do conflito na Ucrânia e da tentativa de isolamento da Rússia comandada pelos EUA e seus aliados na Europa.

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O temor levantado em recente estudo da Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA), que indica que as entregas de fertilizantes ao mercado brasileiro, no acumulado de janeiro a novembro de 2022, sofreram uma redução de 11,3%, “não é razão para se preocupar”.

Quem garante é Gilberto Ramos, presidente da Câmara Brasil–Rússia de Comércio, Indústria e Turismo. Em conversa com a Sputnik Brasil, ele apontou que o mercado global de fertilizantes sofre alterações naturais em razão das muitas variantes logísticas externas, embora, no caso do Brasil, o abastecimento esteja devidamente garantido.

Isso foi possível, segundo ele, graças aos esforços de governos e empresários para expandir o comércio e as relações bilaterais entre os dois países, um deles feito em 16 de fevereiro de 2022 (há cerca de um ano) pelo então presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, em visita à Rússia. Na ocasião, dezenas de documentos sigilosos foram assinados.

Além disso, a confirmação da nomeação da ex-presidente Dilma Rousseff para o banco do BRICS é um bom indicativo de que o fortalecimento desses laços continuará. Afinal, como apontou Gilberto Ramos, “Dilma tem uma visão desse bloco muito mais profunda” que o atual presidente da instituição financeira.

De acordo com ele, ao se analisar o comércio entre Brasília e Moscou, estimativas feitas no âmbito do Ministério da Economia apontam que “o potencial para […] investimentos entre os dois países poderá chegar a mais de US$ 100 bilhões (aproximadamente R$ 519 bilhões) dentro dos próximos cinco a sete anos”.

‘O céu é o limite’

Embora as relações entre Moscou e Brasília tenham começado há muito tempo, a visita de Bolsonaro à Rússia em meio à escalada de tensões com a Ucrânia abriu uma nova etapa dessa aproximação, e daí em diante, apontou Gilberto Ramos, “o céu é o limite”.

O presidente da Câmara Brasil–Rússia de Comércio relembrou que na época o Brasil conseguiu acordos para importar “fertilizantes, como ureia e cloreto de potássio, em função de tratativas feitas no mais alto nível”.

“De lá para cá, chegaram dezenas de navios com produtos russos e belarussos. Esse movimento […] [fez com] que 71% das importações brasileiras da Rússia [em 2022] fossem de fertilizantes, com uma corrente comercial que bateu recordes, chegando a cerca de US$ 7 bilhões [aproximadamente R$ 36 bilhões]”, disse ele.

Como se sabe, a Rússia é o principal fornecedor dos fertilizantes usados na agricultura brasileira, que por sua vez é o motor da economia brasileira. Com o conflito na Ucrânia, a rota comercial que ligava a Rússia ao Brasil precisou ser reinventada, em meio à disparada do custo do frete e dificuldades de logística.

No entanto, após a visita de Bolsonaro e os acordos que foram assinados, os portos brasileiros nunca viram “tantos navios com as cores da Rússia atracarem à nossa costa, a maior parte carregada de fertilizantes”, disse Gilberto Ramos.

Traduzindo esses tratados que nunca vieram à público em números, Moscou passou do 12º para o 5º lugar no ranking de parceiros comerciais do Brasil, apenas atrás de Alemanha, Argentina, Estados Unidos e China.

Conforme explicou Gilberto Ramos, “tudo isso foi facilitado a partir de operações logísticas que foram criadas, especialmente para embarques do porto de Murmam [cidade russa]. Além disso, existem empresas russas trabalhando em outros lugares do mundo que buscam alternativas para essas questões logísticas”.

“A chave do sucesso de nossa atuação conjunta transcende simples acordos bilaterais ou áreas de livre comércio, pois está fundamentada na interação de investimentos e no desenvolvimento de tecnologias comuns, [com] […] soberania e economicidade voltadas ao benefício das populações gigantescas que representam os seus integrantes.”

A nova ordem geopolítica ajudou Brasil e Rússia?

Além de contratos que foram assinados, principalmente para a abertura de “canais de fornecimento e logísticos, não apenas para fertilizantes, como também para combustível […] e derivados de petróleo”, a visita de Jair Bolsonaro à Rússia teve um peso simbólico.

Ela mostrou que o comércio global poderia migrar da dolarização para novas formas de pagamentosobretudo na esteira das novas tecnologias bancárias que permitem transferências que fogem ao controle dos EUA. E mais: com a reformulação nas cadeias de abastecimento, novos atores geopolíticos, a partir dos novos blocos de poder, naturalmente ascenderiam.

É o caso da Turquia, como aponta Gilberto Ramos. Segundo ele, Ancara “tem ajudado bastante no trabalho dos operadores logísticos russos e brasileiros”, assim como o Oriente Médio, “para a formulação de empreendimentos”.

Essa demanda contínua, que se traduz no aumento das exportações e relações entre os países, deve ganhar sobrevida com a chegada de Dilma Rousseff à presidência do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco do BRICS.

Para Gilberto Ramos, os eventuais novos membros do BRICS serão fundamentais para a criação de novas operações logísticas que integrem as balanças comerciais de Moscou e Brasília, sobretudo a partir do financiamento de projetos de infraestrutura.

“Existe essa possibilidade de mais mudança com a chegada da Dilma, sobretudo […] [pela] retomada de investimentos. O que eu vejo também é que existe [a partir destas plataformas, como o BRICS] uma contraforça à perda da efetividade da Organização das Nações Unidas [ONU]“, disse ele.

O papel do BRICS

Em seguida ele apontou que os novos parceiros do BRICS, alinhados com a comunidade euro-asiática, “podem modelar as novas relações globais”. Um exemplo claro é a situação da “Arábia Saudita, que está desdolarizando a sua economia e negociando com a China em yuans“.

Em recente artigo para a Associação Financeira e Empresarial de Cooperação Euro-Asiática (FBA EAC, na sigla em inglês), Gilberto Ramos defendeu a “necessidade do estabelecimento de filiais de bancos e agentes financeiros” da Rússia e de outros países asiáticos “tendo em vista o suporte imediato aos projetos de investimentos em áreas sensíveis”.

Ele explica que o papel do banco do BRICS “tem ficado aquém do enorme potencial e das oportunidades existentes nos países-membros, e ainda mais com a iminente entrada de novos membros na versão estendida do BRICS+”.

Segundo previsões dos organismos econômicos e financeiros internacionais, até 2030 o produto interno bruto (PIB) dos países do BRICS e da Eurásia será superior ao dos EUA e da União Europeia juntos.

Diante desse quadro, “é natural que sobrevenham discussões sobre a criação de novas plataformas que facilitem as transações transnacionais em moedas correntes de cada país, baseadas em plataformas de blockchains, cifras, algoritmos e criptos”.