Repetidas vezes, a natureza demonstra sua força avassaladora e não se pode fazer nada – a exemplo da tragédia devastadora das cheias no Rio Grande do Sul, das inundações vistas no litoral paulista ou no Sul do Brasil em 2023, ou das enchentes que assolaram o Rio de Janeiro no início deste ano.
Mas como a água pode exercer uma força tão poderosa? É exatamente a esta pergunta que responde Michael Dietze, da Seção de Geomorfologia do Helmholtz Center Potsdam, no site do Centro Alemão de Pesquisa em Geociências (GFZ).
O primeiro a se ter em mente, diz Dietze, é que um metro cúbico de água pesa uma tonelada – um peso e tanto. Isso significa que “a água pode exercer uma pressão enorme sobre um objeto em seu caminho. E quando em movimento, a água é imensamente poderosa – tão poderosa que é capaz de varrer carros ou até mesmo contêineres que não estiverem ancorados no chão”.
Mas outros fatores também entram em jogo, incluindo a erosão. Superfícies degradadas, ainda que aparentemente estáveis, podem ser facilmente varridas pelas cheias.
No GFZ de Potsdam, os pesquisadores estudam exatamente como a água mobiliza sedimentos, como as ondas de inundação viajam e como as poderosas enchentes varrem as paisagens.
Chuvas fortes estão entre os perigos mais subestimados, adverte o Serviço Meteorológico Alemão (DWD), pois são difíceis de prever e raramente estão associadas a uma localização específica. Embora possam prever a região, os meteorologistas não são capazes de antecipar exatamente quando ou quanto choverá num determinado local.
Como resultado, fortes chuvas podem causar mais danos do que o esperado, mesmo em lugares que não estão situados em vales estreitos ou perto de grandes rios. “As fortes precipitações despejam uma quantidade tão grande de água no solo, muitas vezes já saturado pelas chuvas anteriores, que ele não é capaz de escoar mais nada”, explica o geomorfólogo Dietze.
Diferentes tipos de solo absorvem a água de maneira diferente
O volume de água não é o único fator. A composição do solo, ou melhor, sua capacidade de absorver, armazenar e escoar água, também desempenha um papel importante.
É aqui que entra em jogo o tamanho dos poros das partículas do solo. “Colóides” são partículas minúsculas medindo menos de 2 micrômetros de largura – pequenas demais para serem visíveis a olho nu. Mas em grandes quantidades, justamente por terem dimensões minúsculas, elas fornecem uma imensa área de superfície onde as moléculas de água podem se ligar.
Os solos argilosos e arenosos contêm muitos desses colóides, nos quais a chamada “água intersticial” é retida e não consegue escorrer. Tais solos contêm poucos poros e, portanto, uma vez devidamente saturados, podem reter mais água do que areia.
Os grãos de areia, por sua vez, são maiores, com bem mais poros grandes e cheios de ar e apenas um pequeno número de colóides. No solo arenoso, a água mal pode ser retida e acaba escoando rapidamente.
Outra questão crucial é a condição do solo antes da chuva. No caso de uma chuva repentina e forte após um período prolongado de seca, o solo não consegue absorver a água de uma só vez. O solo seco tem o que é chamado de “repelência à água”, o que significa que, em vez de escoar, a água flui pela superfície. Resíduos vegetais também são um fator, pois liberam gorduras e substâncias cerosas durante condições secas.
A água forja seu próprio caminho
Quando o solo fica saturado após longos períodos de chuva, a água não tem outra escolha a não ser escorrer pela superfície até desaguar nos córregos e rios.
“Uma vez chegando lá, ela pode atingir velocidades muito altas”, disse Dietze. Na estação de pesquisa ecológica da Universidade de Colônia, que fica às margens do rio Reno, por exemplo, a água flui normalmente a uma velocidade de 1 a 2 metros por segundo.
“Quanto maior a velocidade e a inclinação – especialmente em taludes e cumes – e quanto mais profundo o rio, mais força a água poderá captar no leito fluvial. Sua força é equivalente a vários quilos, o que é suficiente para varrer areia, pedras e até detritos”, explicou Dietze.
Água e partículas: uma combinação fatal
Mas isso, por si só, não é suficiente para arrasar casas e ruas. Por trás disso estão também as partículas que são carregadas junto com a água. Elas penetram no solo, nas ruas e nas paredes das casas, desenvolvendo um enorme poder de erosão.
“Uma vez que partes desses objetos começam a ser atacadas, o material por baixo é carregado mais facilmente”, explicou Dietze, acrescentando que ruas e prédios em terreno não consolidado também podem ser danificados, facilitando a quebra de mais material.
“Essa combinação de material sendo arrastado com o poder de simplesmente carregar ainda mais material solto dá à água em rápido movimento o poder de causar danos enormes num curto espaço de tempo”, acrescentou.
Ele enfatizou ainda que tais inundações podem se desenvolver em qualquer lugar onde ocorram chuvas fortes. Segundo Dietze, a precipitação extrema é especialmente perigosa em áreas altas e montanhosas, onde o eventual rompimento repentino de barragens pode causar o transbordamento de lagos inteiros, ou onde grandes quantidades de gelo derretido podem desencadear deslizamentos de terra e ondas de inundação nos vales logo abaixo.
As inundações podem ser previstas?
“Avisos meteorológicos podem ser derivados de previsões”, disse Dietze. “Por exemplo, as previsões meteorológicas podem ser alimentadas em modelos hidrológicos, para poder fazer previsões sobre a probabilidade e o desenvolvimento de inundações.”
Por outro lado, o processo de erosão é mais difícil de prever. Como tais eventos acontecem muito rapidamente, sua intensidade é difícil de medir com precisão.
Com a ajuda de imagens de satélite e, principalmente, de sismômetros, os pesquisadores passaram os últimos anos tentando acompanhar as ondas de inundação em tempo real e calcular sua intensidade. As pesquisas ainda se encontram nos estágios iniciais, enfatizou Dietze, mas têm um imenso potencial quando se trata de sistemas de alerta precoce de inundações.