Não há vitrine mais explícita para a tensões geopolíticas atuais quanto o aumento com gastos de defesa. Os orçamentos militares globais somaram US$ 2,44 trilhões (R$ 12,6 trilhões) no ano passado, quase 7% a mais do que em 2022. Foi o aumento anual mais acentuado desde 2009 e teve como pano de fundo o segundo ano da guerra de agressão lançada pela Rússia contra a Ucrânia.
Por habitante, os gastos militares mundiais atingiram seu nível mais alto desde o fim da Guerra Fria: US$ 306 (R$ 1.577) por pessoa.
Com a Ucrânia inicialmente despreparada para um conflito de grande escala, os países ocidentais aumentaram a ajuda militar para o governo de Kiev, enquanto outras tensões no Oriente Médio e na Ásia também levaram diferentes governos a reforçar suas defesas, em um nível não visto desde a Segunda Guerra Mundial.
Em 2024, os Estados Unidos alocaram US$ 886 bilhões para a defesa, um aumento de mais de 8% em dois anos. Pela primeira vez, os parceiros europeus da Otan devem atingir a meta estabelecida pela aliança militar de gastar o equivalente a 2% do Produto interno bruto (PIB) com defesa – um tema que era fonte de tensão com ex-presidente dos EUA Donald Trump. Agora, os parceiros europeus orçaram um total de US$ 380 bilhões em defesa, anunciou o secretário-geral da Otan, Jens Stoltenberg, em fevereiro.
Polônia lidera gastos (em proporção ao PIB)
Enquanto a Alemanha ainda corre para superar o atraso em relação a outros membros da Otan – graças a um fundo especial de 100 bilhões de euros anunciado pelo chanceler federal Olaf Scholz para atualizar as Forças Armadas do país –, a Polônia deve gastar o equivalente a 4,2% do seu PIB em defesa este ano, o maior valor proporcional entre os membros da aliança militar. Outros países no flanco oriental da Otan também já ultrapassam ou em breve ultrapassarão a meta de 2%.
Como resultado, os governos estão enfrentando uma escolha cada vez mais difícil sobre como financiar esses novos planos de defesa. Muitas economias continuam enfraquecidas ou com as finanças apertadas por causa dos efeitos das tensões geopolíticas globais em andamento e da inflação persistente.
“Os compromissos de curto prazo com equipamentos militares para a Ucrânia devem ser financiados com dívidas adicionais. É assim que as guerras têm sido historicamente financiadas”, avalia Gunther Wolff, membro do think tank Bruegel, com sede em Bruxelas. “Mas, para aumentar os gastos com defesa a longo prazo, é preciso aumentar os impostos ou cortar outros gastos. É doloroso do ponto de vista político? Claro, mas se você distribuir os gastos entre os vários departamentos do governo, será menos doloroso.”
Alemanha reduz verbas de ministérios, com exceção da Defesa
A Alemanha, que enfrenta a perspectiva de receitas mais baixas devido à estagnação da economia, cortou gastos na maioria dos seus ministérios. A pasta de ajuda internacional ao desenvolvimento, por exemplo, deve sofrer um corte de quase 2 bilhões de euros este ano.
“A Alemanha tem que fazer algumas concessões muito significativas”, avalia Jeffrey Rathke, presidente do Instituto Americano-Alemão da Universidade Johns Hopkins, em Washington, nos EUA. “Elas precisam ser administradas politicamente para que não corroam o apoio público ao fortalecimento da segurança e da defesa.”
Partidos políticos de esquerda em vários países vêm liderando apelos pela paz entre Rússia e Ucrânia e argumentando que a verba dos novos gastos militares poderia ser melhor aplicada em saúde ou programas sociais.
Rathke aponta que o chamado freio da dívida da Alemanha, que limita a capacidade do governo de se endividar para cobrir lacunas no orçamento, tem como efeito limitar o espaço de manobra para a coalizão liderada por Scholz, em contraste com outros países, como a França, que tem políticas orçamentárias mais flexíveis.
Embora as finanças da Polônia estejam em uma situação muito melhor do que a de muitos países da Europa Ocidental, o primeiro-ministro do país, Donald Tusk, que assumiu o poder no ano passado, enfrenta desafios para cumprir as promessas eleitorais, incluindo o aumento da faixa de isenção do imposto de renda, em meio ao aumento de gastos com defesa.
Países da UE enfrentam dificuldades com a meta da Otan
Outros países, como os mais atingidos pela crise da dívida europeia de 2011, já enfrentam medidas severas de austeridade e a possibilidade de cortes adicionais pode ter como resultado uma queda ainda maior na qualidade dos serviços públicos.
A Itália, por exemplo, deve gastar apenas 1,46% do PIB em defesa este ano e advertiu que será difícil o país atingir a meta de 2% da Otan até 2028. A previsão é que o índice da dívida italiana em relação ao PIB atinja 137,8% este ano.
Países com dificuldades fiscais semelhantes, como a Espanha, podem se deparar com dificuldades para suportar os déficits adicionais necessários para financiar novos gastos militares. No ano passado, Madri aumentou seu orçamento de defesa em 26%.
“A crise da dívida europeia forçou ajustes orçamentários de 5 a 7% – até mesmo de 10% para a Grécia”, diz Wolff. “Felizmente, esses cortes serão muito menos dolorosos do que tudo o que o Sul da Europa teve de suportar.”
A Suécia, a Noruega, a Romênia e a Holanda têm dívidas menores. No momento, o político de ultradireita holandês Geert Wilders também planeja gastos significativos com seguridade social, habitação e agricultura para garantir que sua nova coalizão de quatro partidos se mantenha no poder.
“Além da capacidade fiscal e dos problemas de endividamento, esse debate sobre recursos também evidencia uma diferença contínua de percepção de ameaças em toda a Europa”, diz Rathke, apontando que os países localizados mais longe da Ucrânia podem estar menos dispostos a priorizar a defesa do que aqueles do leste europeu.
Próxima meta: 3%?
Espera-se que os gastos com defesa continuem aumentando na próxima década. A meta de 2% da Otan foi estabelecida pela primeira vez em 2014, depois da eclosão da primeira fase da guerra na Ucrânia, quando Moscou anexou ilegalmente a península da Crimeiae passou a armar forças irregulares no leste ucraniano.
No ano passado, em uma reunião em Vilnius, na Lituânia, os líderes de países-membros da Otan concordaram que a meta poderia exceder 2%. A Alemanha, que tem lutado para cumprir o objetivo original, agora cogita a perspectiva de uma meta orçamentária de 3%, o que pode ter consequências ainda maiores para as finanças do governo.