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Doenças e traumas: como profissionais de saúde lidam com falta de medicamentos no RS?

Em meio às contínuas chuvas no Rio Grande do Sul, que já deixaram 147 pessoas mortas e 619 mil desabrigados em todo o estado, trabalhadores da área da saúde e sociais se unem como podem para mitigar as consequências da catástrofe climática.

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Ouvidos pelos jornalistas Maurício Bastos e Thaiana Oliveira, apresentadores do Jabuticaba Sem Caroço, podcast da Sputnik Brasil, profissionais relataram suas experiências no atendimento à população neste momento de grande fragilidade física e emocional.

Karla Durante, enfermeira recém-formada, contou que mesmo após trabalhar, enquanto fazia a graduação durante a pandemia de COVID-19, jamais “imaginaria estar vivendo tudo o que está vivendo”.

Quando estudante, contou, acabou sendo privada de participar do atendimento direto, mas trabalhou com pesquisas da vacina da COVID.

“Às vezes até eu me sinto meio mal. Vamos dizer que eu penso: ‘Não estou conseguindo ajudar tudo o que eu poderia.’ Mas eu recém me formei também, então tem coisas que ainda não tenho um olhar de anos de profissão, mas acredito em tudo o que a gente está fazendo, se esmerando para ajudar de alguma forma”, disse.

Karla, que é residente da cidade de Canoas, uma das mais afetadas pelas enchentes, conta que infelizmente muita da infraestrutura de saúde foi afetada. “Metade da cidade está debaixo d’água, né? Então a muitas UBSs [Unidades Básicas de Saúde] nós não temos acesso.”

“Teriam três UPAs aqui na cidade e duas também estão debaixo d’água. Então, o sistema de saúde está muito sobrecarregado.”

“Um dos nossos hospitais, ele também está abrigando mais de mil pessoas nos seus prédios auxiliares. Então, ali, além de hospital, está servindo de abrigo e está muita procura nesse hospital. Temos outro hospital que também está sobrecarregado e a única UPA que restou está tendo uma grande demanda”, detalhou.

Por sorte, conta, alguns dos abrigos conseguiram montar minicentros de assistência de saúde para dar suporte aos abrigados, que chegam a esses locais com as mais diferentes necessidades. “Muitos casos de doenças respiratórias, doenças infecciosas, traumas, mordida de animais…”

Rodrigo Lins, médico infectologista, professor do Instituto de Educação Médica (Idomed), consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia e presidente da SIERJ, Sociedade de Infectologia do Estado do Rio de Janeiro, afirma que é normal vermos condições tão díspares assim necessitando de cuidado em momentos como esse.

Em primeiro lugar, a primeira associação que as pessoas fazem é à leptospirose, por conta da água contaminada, afirmou, mas outras doenças como hepatite A, tétano e doenças respiratórias propagadas pela aglomeração de pessoas merecem destaque.

Animais peçonhentos, “ou simplesmente animais silvestres”, também se deslocam por conta das chuvas e podem acabar parando em lugares incomuns, diz o médico, o que aumenta o risco de mordidas.

“Em seguida, com a melhora desse cenário, você faz grandes acúmulos de água parada, de água suja, água em que o mosquito vetor vai se proliferar“, alerta Lins.

“Da mesma forma, uma grande quantidade de pessoas dentro de um abrigo também pode virar um foco de incidência aumentada de doença transmitida por mosquitos, como dengue, zika e chikungunya.”

Não é só de problemas físicos que sofrem os desabrigados pelas chuvas. Muitas vítimas estão desanimadas e com moral baixa, conta Karla.

“Nós, como profissionais da saúde, durante a faculdade inteira, a gente escuta que a gente tem que ter um olhar humanizado para as pessoas, que a pessoa não é simplesmente aquele corpo humano que a gente vê numa aula de anatomia, mas ela tem os sentimentos, ela tem as suas sensações, ela tem as suas vivências.”

Nesse sentido, aponta a enfermeira, os trabalhadores da assistência social têm realizado um grande trabalho de não só olhar para a doença da pessoa, mas também para sua “vivência e seu meio social”.

É o caso de Tayana Celeste, que, apesar de não ser formada na área, trabalha como voluntária no atendimento em um dos abrigos de Canoas.

Segundo Celeste, muito desses problemas psicossociais se agravaram com as enchentes. “Pessoas que tinham problemas antigos, como depressão, ansiedade ou algum problema cardíaco, já necessitavam de remédios antes, né?”

“Agora está um pouco mais complicado de conseguir esses remédios, porque tá todo mundo se concentrando em uma região da cidade. Então farmácias foram fechadas, mercados foram fechados.”

A voluntária conta que os maiores pedidos são de “remédios para doenças psicológicas”, “leptospirose” e medicação para diabetes.

“Tem muitas pessoas precisando de insulina e doxiciclina, que é pra leptospirose, são remédios, assim, que estão em falta”.

Para combater isso, Celeste criou de um grupo no WhatsApp em que médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde podem trocar experiências e se ajudarem no atendimento à população.

A ideia veio a partir de um pedido de algumas amigas que queriam o contato de profissionais da saúde. “Tentei chamar a galera que eu conhecia, que era meia dúzia de pessoas.”

“Aí, minha dinda, que é médica, disse ‘quem sabe a gente cria um grupo para organizar melhor”. Foi o que fizeram e, de cinco pessoas, inicialmente, hoje o grupo já conta com 420.

Para combater os males psicológicos a situação também é difícil, uma vez que médicos de fora não conseguem preencher receitas à distância para esses tipos de medicações.

“Nesse grupo, a gente organiza atendimento on-line para quem precisa, atendimento presencial para quem está aqui em Canoas ou região, e também faz renovação de receita para quem perdeu a receita nas casas inundadas.”