Ministério da Defesa russo alerta sobre a campanha de Kiev para aliciar brasileiros a ir lutar na Ucrânia. Combatente brasileiro ouvido pela Sputnik Brasil explica por que as táticas militares adotadas por Kiev expõem soldados estrangeiros a alto risco de morte.
Nesta semana, o Ministério da Defesa da Rússia alertou sobre os esforços redobrados de Kiev para aliciar brasileiros a lutar na Ucrânia. A nova campanha de recrutamento tem o intuito de compensar o grande número de baixas sofrido pelas Forças Armadas ucranianas durante sua contraofensiva.
“Segundo os dados existentes, devido às altas perdas de pessoal, o regime de Kiev iniciou no último mês o recrutamento de mercenários estrangeiros na Argentina, Brasil, Afeganistão, Iraque e em áreas controladas pelos EUA na Síria”, declarou o ministério russo.
As autoridades russas ainda notam a participação de empresas militares ligadas à Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês), como Academy, Cubic e Dyn Corporation, nos esforços de aliciamento.
De acordo com o jornalista Lucas Leiróz, Ucrânia e OTAN já não dispõem de recursos humanos suficientes para manter o esforço de guerra.
“O interesse consiste em buscar uma fonte de recursos humanos para manter uma guerra de agressão contra a Rússia no longo prazo”, disse Leiróz à Sputnik Brasil. “A Ucrânia está debilitada, suas Forças Armadas estão enfraquecidas, as milícias neonazistas que foram importantes para o combate estão praticamente neutralizadas.”
Os esforços de Kiev para mobilizar seus nacionais têm atingido resultados duvidosos, apesar do uso indiscriminado de táticas violentas de recrutamento, conforme descreveu a revista britânica The Economist. Já a OTAN, principal aliada de Kiev, enfrenta limitações para complementar as fileiras de soldados da Ucrânia.
Soldado russo da tripulação de artilharia do sistema de foguetes de lançamento múltiplo de foguetes Uragan durante a operação militar especial russa na Ucrânia
© Sputnik / Aleksei Maishev
“A OTAN não tem envolvimento oficial no conflito, atua apenas como um patrocinador, então não pode enviar tropas regulares”, notou Leiróz.
Nesse contexto, Kiev e seus aliados focam os esforços de mobilização na América Latina, Ásia e Oriente Médio, regiões alvo de campanhas em redes sociais para aliciar pessoas a se alistarem ao front.
“O Sul Global é a nova aposta da Ucrânia e da OTAN para buscar recursos humanos e abastecer uma guerra de longo prazo”, declarou Leiróz. “Há um grande esforço de propaganda destinada não só a grupos simpáticos a Kiev – como militantes extremistas, redes neonazistas e movimentos neofascistas – mas também a pessoas comuns, seduzidas por propaganda e promessas mirabolantes de cidadania ucraniana.”
Manifestante usa bandeira do grupo Pravy Sektor, em manifestação na Avenida Paulista, no dia 31 de maio de 2020
© Folhapress / Marlene Bergamo
Segundo o jornalista, alguns brasileiros que se declaram ex-combatentes na Ucrânia estão “frequentando podcasts no Brasil, dando entrevistas à mídia e […] incentivando o recrutamento“.
“Eles simplesmente ignoram que vários brasileiros faleceram lá e que estrangeiros morrem na Ucrânia todos os dias”, disse Leiróz. “Nossos cidadãos estão sendo seduzidos para embarcar em aventuras irresponsáveis, das quais, muitas vezes, não saem vivos.”
Esse é o caso de Douglas Búrigo, morto durante bombardeio na cidade de Carcóvia, em julho de 2022. Búrigo tinha 40 anos e experiência no Exército brasileiro. Antes de falecer, o combatente brasileiro enviou áudio para os amigos, obtido pela emissora Record.
“Isso aqui não tem quem aguenta, é muita bala”, disse Búrigo alguns dias antes de sua morte. “Não sei se eu volto vivo para o Brasil. Mas se eu não voltar vivo, eu quero que vá a bandeira pra mim, aí.”
Um dos caminhos trilhados por brasileiros rumo ao front ucraniano é juntar-se à Legião Estrangeira estruturada por Kiev. No entanto, a própria mídia ucraniana reporta abusos cometidos pelos comandantes desta legião, que incluem abuso sexual, roubo de equipamentos pessoais e envio de estrangeiros para missões suicidas.
Um soldado da Guarda Nacional Ucraniana entra em um abrigo subterrâneo em uma posição perto de Kharkiv, Ucrânia, segunda-feira, 9 de maio de 2022
© AP Photo / Felipe Dana
De acordo com um ex-combatente brasileiro da Legião Estrangeira ouvido pela mídia ucraniana, sua unidade foi enviada para missões irresponsáveis, desprovida de informações básicas sobre a posição de seus inimigos.
“Um bando de aspirantes, brincando com a vida das pessoas”, disse o ex-militar brasileiro sobre os comandantes da Legião Estrangeira.
O ex-militar Fabio Júnior de Oliveira, de 42 anos, relatou ao portal UOL a constante escassez de equipamentos e comida na Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia.
“Sei que é uma situação de guerra, mas a estrutura é muito precária. Nem o colete à prova de balas era adequado”, disse Oliveira.
Segundo o ex-militar, 27 dos 30 voluntários de sua unidade pediram dispensa em função das condições precárias de serviço.
Contraofensiva ucraniana
As condições para combatentes estrangeiros são ainda mais perigosas no contexto da contraofensiva ucraniana. Os reais números de baixas em combate neste novo contexto são sistematicamente falseados, a fim de aliciar mais brasileiros para o combate.
“Há uma grande omissão em relação à realidade do campo de batalha, com o intuito de manter intacto o processo de recrutamento, para que ninguém desista de ir para lá”, lamentou Leiróz.
De acordo com o Ministério da Defesa russo, até o dia 30 de junho 4.845 combatentes estrangeiros lutando nas fileiras ucranianas foram mortos e 4.801 fugiram da zona de guerra. A maioria dos falecidos até agora são combatentes advindos de países europeus, EUA e Canadá.
Soldados russos passando por treinamento
© Sputnik / Konstantin Mihalchevskyi
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Esses dados não figuram nos materiais disseminados pela mídia brasileira que, segundo Leiróz, é “coparticipante da morte de brasileiros no campo de batalha, uma vez que, direta ou indiretamente, incentiva pessoas a se alistarem para defender a Ucrânia”.
“Isso é extremamente perigoso, porque a realidade da batalha é totalmente diferente da anunciada pela mídia: a Ucrânia não está em vantagem, está perdendo a guerra, muitos combatentes ucranianos estão morrendo, e isso não seria diferente para os brasileiros”, declarou Leiróz.
Um soldado de origem brasileira combatendo pelo lado russo e ouvido pela Sputnik Brasil sob condição de anonimato não acredita que a campanha de Kiev para aliciar brasileiros mobilize contingentes expressivos.
“Acredito que os esforços de recrutamento devem mobilizar talvez dezenas de pessoas”, disse o combatente brasileiro à Sputnik Brasil. “Mas o brasileiro não tem mentalidade para isso. Os que têm trabalham na área de segurança pública, e não vão deixar seus cargos para lutar do outro lado do mundo e serem massacrados.”
Com base em sua experiência na linha de frente, o soldado relata que “os brasileiros que não morreram não passaram mais de três ou quatro meses [na zona de guerra]”.
Para ele, as táticas de combate usadas pelas Forças Armadas da Ucrânia deixam seus soldados expostos e bastante vulneráveis.
Tropas ucranianas sendo “treinadas” para manusear sua metralhadora pesada por um instrutor polonês, março de 2017
© Foto / Sgt. Anthony Jones (US Army)/Ukrainian Defence Ministry
“A Ucrânia usa muita técnica de incursão prolongada, o que denuncia a posição [dos combatentes]. Os que não morrem nos bombardeios sabem que, se ficarem na sua posição, vão morrer“, explicou o brasileiro.
Além disso, o treinamento dado aos estrangeiros alistados “é básico, porque a elite fica para os ucranianos com mais experiência, ou para aqueles advindos de forças especiais. De resto, eles são tropas mistas de veteranos com recrutas”.
“Nesse sentido, são os mobilizados os que saem mais prejudicados, enquanto as reservas ficam descansando”, explicou o brasileiro. “Como [as reservas] são mais bem preparadas e motivadas, elas são utilizadas para ações mais específicas.”
Na quarta-feira (14), o ministro da Defesa da Rússia, Sergei Shoigu, anunciou que, desde o início dessa operação de contraofensiva, Kiev já perdeu 26.000 militares e 3.000 peças de armamento. Segundo ele, as forças russas anunciaram já ter destruído 21 aeronaves inimigas, cinco helicópteros, 1.244 tanques e outros veículos blindados, incluindo 17 tanques Leopard e 12 veículos blindados Bradley.
No contexto atual, quando as tropas ucranianas estão engajadas em operações ofensivas, alistar-se para lutar por Kiev “é suicídio”, resumiu o combatente brasileiro.