De nada adiantou se achar uma nova Margareth Thatcher e até copiar o cabelo e as roupas em tons de azul da icônica primeira-ministra britânica dos anos 1980. A teimosa Liz Truss derrapou na própria arrogância e foi obrigada a pedir demissão do cargo após 45 dias, batendo o recorde de curta permanência de George Canning, que morreu de tuberculose em 1827, com 119 dias de mandato. A economista de 47 anos fez um leitura equivocada da situação econômica e social do país. Se não renunciasse de forma “espontânea”, o Partido Conservador não hesitaria em entregar sua cabeça em troca da própria sobrevivência.
Os britânicos seguem preocupados, mesmo depois de antecipar que Truss duraria “menos que os 15 dias de um pé de alface na geladeira”. O Reino Unido já relegou seus cidadãos a uma dúvida cruel: pagar a conta de luz ou comprar comida. Atordoados, já apostam em novos nomes — até Boris Johnson aparece cotado para retomar a cadeira de primeiro-ministro, que deixou em julho.
A quarta-feira, 19, foi quente em Londres. Correligionários já haviam pedido, aberta ou sigilosamente, a renúncia da primeira-ministra, que convidou Graham Brady, o presidente do poderoso Comitê de 1922 (os membros “de fundo” do Partido Conservador), à residência oficial na Downing Street para sentir a temperatura do grupo. E sentiu: renunciou no dia seguinte, carregando com ela as demissões do ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, que foi sucedido por Jeremy Hunt, e da ministra do Interior, Suella Braverman. A ambiciosa e autossuficiente Liz Truss pode mesmo ter encerrado a carreira como política.
Com a volta da inflação recorde de 10,1%, o Banco da Inglaterra tinha precisado intervir no mercado novamente na semana passada, para estancar a venda maciça de títulos da dívida pública (que está em 80% do PIB) pelos fundos de pensão. A libra, já desvalorizada no fim de setembro com a apresentação do “mini-orçamento” de Kwasi Kwarteng, voltou a cair por causa ao desastroso plano econômico anunciado pela gestão Truss. Temia-se pela quebra da estabilidade financeira do país.
Fiasco
Para Roberto Goulart Menezes, professor de Relações Internacionais da UnB, Liz Truss errou ao jogar toda a culpa da crise britânica na guerra da Ucrânia, quando na raiz do aumento do custo de vida estava a pandemia. “Depois de um início errático, Boris Johnson administrou bem os custos com a abertura de novos leitos em UTIs, compra de equipamentos hospitalares e, mais tarde, testes e vacinas contra a Covid-19. Foram gastos elevados, mas justificados. Quando ele caiu — e sua queda foi moral —, Liz Truss assumiu e, como primeira-ministra, tentou retomar a economia da pré-pandemia, quando na verdade teria de trabalhar com uma situação de pós-pandemia, que está só começando”, observa. “Em nome da austeridade fiscal, arrochou os gastos sociais e propôs cortes históricos de impostos das grandes fortunas. A avaliação dela se mostrou desconectada com a realidade. Um fiasco.”
Depois de Liz Truss, o Partido Conservador parte desesperadamente em busca de um bom nome para indicar ao cargo de primeiro-ministro já na próxima semana. Majoritário, não pode permitir margem de manobra do Partido Trabalhista, cujo líder, Keir Starmer ,tem o maior índice de popularidade e boa aprovação entre o público. Enquanto os conservadores correm contra o tempo para evitar a implosão do partido, quem ganha estatura é o rei Charles III. Mesmo com a coroação oficial marcada somente para 2023, o filho da Rainha Elizabeth II tem poder, como chefe de Estado, de dissolver o Parlamento e antecipar eleições gerais. Isso se não houver entendimento entre os pares e se considerar que o reino esteja em risco por falta de governante.
A queda-relâmpago de Truss levou as casas de apostas londrinas a entrarem em ebulição. A volta de Boris Johnson ao poder paga pouco — o que torna seu nome um dos favoritos para a cadeira de primeiro-ministro. Rishi Sunak, que perdeu a disputa final com Liz Truss, é outro candidato. O topo da lista traz ainda Ben Wallace e Penny Mordaunt, que participaram da última eleição entre os conservadores. É preciso decidir rapidamente, antes que a crise se aprofunde e arraste o Partido Conservador com ela.