O ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a dizer que o Brasil será a única economia presente no BRICS, no G-20 e na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), caso o processo de adesão seja concluído. Guedes disse que isso pode trazer benefícios internacionalmente. A avaliação, no entanto, divide especialistas.
A declaração do ministro foi dada durante cerimônia em que o Brasil apresentou o memorando inicial para entrada na OCDE.
“O Brasil, depois do fim do processo de acesso, será o único país ao mesmo tempo na OCDE, no G20 [grupo das 20 maiores economias] e no BRICS. Isso abre caminho para que o país, quem sabe, possa entrar no Conselho de Segurança das Nações Unidas [de forma permanente]”, disse Guedes.
Essa visão do ministro, de que a entrada na OCDE fortaleceria o Brasil internacionalmente, não é consenso entre especialistas, principalmente pela participação do Brasil no BRICS. Para o economista Fábio Sobral, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), a decisão de querer estar nos dois organismos é contraditória.
“Há um desconhecimento do ministro Paulo Guedes sobre o que de fato representa o BRICS. O BRICS é uma articulação do Sul Global que busca se defender das práticas impositivas do modelo dominado pelo setor financeiro de Wall Street, nos Estados Unidos, e a cidade de Londres, no Reino Unido”, avalia.
Para o analista, a entrada na OCDE “significa uma contradição com a articulação com o BRICS”. “Aliás, o governo [Jair] Bolsonaro manteve a articulação com o BRICS em banho-maria esse tempo todo, tanto pela incapacidade pessoal, quanto pela incapacidade política”, aponta.
Especialistas ouvidos anteriormente pela Sputnik destacaram que o Brasil enfrenta grandes desafios no cenário internacional no próximo período e deveria buscar no fortalecimento do BRICS uma forma de enfrentá-los.
“[O BRICS] é uma tentativa de buscar o desenvolvimento científico-tecnológico, social e econômico sem imposição de ocupações militares, sem a coação, sem a derrubada de governos. O BRICS tem uma outra natureza, distinta do que se apresenta na OCDE. A presença nos dois organismos mostra, inclusive, uma escolha contraditória, na medida em que você quer estar de um lado e do outro”, aponta Sobral.
Josilmar Cordenonssi, professor de Ciências Econômicas da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), por outro lado, enxerga que a participação do Brasil nos diferentes espaços pode ser positiva.
“O Brasil teria uma posição realmente privilegiada de ser interlocutor com vários países do mundo que, às vezes, não se comunicam diretamente. Você está tendo uma certa Guerra Fria entre Estados Unidos e China e também o Ocidente com a Rússia não é uma Guerra Fria, é uma guerra congelada, né? Está muito pior. Então, o Brasil pode fazer o papel de meio de campo nesse cenário partido da política internacional”, disse Cordenonssi.
O professor da Mackenzie enxerga o ingresso na OCDE como positivo por entender que “muitas coisas que são discutidas na OMC começaram na OCDE”.
“O que no governo PT eles colocavam, principalmente o chanceler Celso Amorim e também o PT, viam com uma certa desconfiança pertencer à OCDE porque o país ia ser tratado como membro do clube dos ricos. A OCDE era vista como o clube dos ricos. Então o Brasil ia perder, principalmente na negociação da Organização Mundial do Comércio, o papel de liderança entre os países emergentes. Mas eu acredito que isso não é uma questão relevante hoje em dia, tem países que ainda não são desenvolvidos na OCDE, que são nossos vizinhos, como Chile e México, e muitas coisas que são discutidas na OMC começaram na OCDE. Então, participar da OCDE pode ajudar o Brasil a ser interlocutor. Talvez, potencializar esse papel, e não prejudicar”, avalia o economista.
O Brasil já aderiu a 112 das 257 diretrizes impostas pela OCDE para o ingresso. A OCDE foi criada em 1961, no período pós-Segunda Guerra Mundial, integrando países ricos da Europa e os Estados Unidos. A organização passou a incluir mais nações ao longo do tempo e hoje conta com 38 membros.
Sobral, por sua vez, é um crítico dessa empreitada por enxergar regras muito rigorosas. Segundo ele, a entrada do Brasil na entidade pressupõe uma submissão a “acordos comerciais que são danosos, que buscam tornar o país desindustrializado e exportador de commodities”.
O professor da UFC avalia que o processo de ingresso na OCDE têm servido como uma espécie de “propaganda” para o governo Bolsonaro, sem planos concretos.
O especialista ainda aponta que não basta a inserção na OCDE para reposicionar o Brasil no cenário internacional. Segundo ele, o país precisa primeiro enfrentar uma crise social interna para vislumbrar maiores espaços internacionalmente.
“Nós estamos […] [em uma] crise muito profunda e qualquer ganho parece um grande ganho, mas, na verdade, nós ainda estamos numa situação muito trágica, tanto que há 30 milhões de pessoas que passam fome hoje no país e o ministro Paulo Guedes comemora os resultados da economia, como se os resultados da economia estivessem desligados na vida do povo brasileiro”, afirmou Sobral.