Nesta semana, o governo brasileiro solicitou à Embaixada do Brasil em Beirute que inicie a retirada de nacionais brasileiros do Líbano. A decisão teria sido tomada pessoalmente pelo presidente Lula, reportou o portal Metrópoles.
Anteriormente, o Itamaraty havia recomendado que brasileiros deixassem o país utilizando seus próprios meios. A decisão do presidente Lula, no entanto, aponta para um esforço nacional combinado para repatriar a extensa comunidade brasileira residente no Líbano.
De acordo com estatísticas publicadas pelo Itamaraty em 2023, o Líbano é o país do Oriente Médio que mais abriga brasileiros, estimados em 22 mil. Israel fica em segundo lugar no ranking regional, com 14 mil brasileiros residentes.
A decisão de Lula vem na esteira da morte de adolescente de nacionalidade brasileira, confirmada por fontes no Itamaraty à Sputnik Brasil. Ali Kamal Abdallah, de 15 anos, nascido em Foz do Iguaçu (PR), foi vítima de bombardeio israelense contra a cidade libanesa de Kelya.
Em nota, o governo brasileiro condenou os bombardeios de Israel contra áreas civis no Líbano “nos mais fortes termos” e pediu que as partes cessem as hostilidades. Em conferência de imprensa concedida durante a Assembleia Geral da ONU, em Nova York, o presidente Lula demonstrou indignação com a escalada.
“É importante a gente lembrar que no Líbano o total de mortos é de 620 pessoas. É o maior número de mortos desde a guerra civil que durou entre 1975 e 1990”, disse o presidente brasileiro. “É importante lembrar também que morreram 94 mulheres e 50 crianças, 2.058 pessoas feridas e 10 mil pessoas forçadas a recuar e esvaziar suas casas.”
Os ataques israelenses no Líbano agravam a já tensa relação entre os governos Lula e Netanyahu. Após declaração de Lula sobre a perpetração de genocídio na Faixa de Gaza, Israel declarou o líder brasileiro persona non grata. Em resposta, o Brasil retirou o seu embaixador de Tel Aviv e atualmente se encontra representado por um encarregado de negócios.
No entanto, o Brasil ainda não sinalizou a aplicação de medidas adicionais para demonstrar sua oposição declaratória às ações militares israelenses em Gaza e no Líbano. Para o professor livre-docente da PUC-SP, Reginaldo Nasser, o Brasil deveria coordenar sua posição com aliados internacionais.
“O Brasil tem se posicionado de forma adequada, mas, no meu entender, deveria caminhar rumo à aplicação de sanções econômicas contra Israel, ainda que não de maneira isolada”, disse Nasser à Sputnik Brasil. “O Brasil deve coordenar ações conjuntas, principalmente com seus parceiros no BRICS.”
O especialista em Oriente Médio reconhece que a influência internacional de Israel é considerável, o que dificulta a formação de coalizões contra o conflito em Gaza e no Líbano. Segundo ele, “durante décadas, Israel montou uma articulação econômica, militar e tecnológica internacional muito poderosa, difícil de ser contraposta”.
Apesar das limitações, atores internacionais demonstraram pouco entusiasmo em relação à escalada israelense no Líbano. De acordo com o pesquisador em Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal Fluminense (UFF), Jonuel Gonçalves, países como EUA, Reino Unido, França e Arábia Saudita conduzem negócios a partir da capital libanesa, Beirute, e têm pouco interesse nesse conflito.
“As grandes chancelarias mundiais não estão interessadas em ataques de Israel contra o Líbano”, disse Gonçalves à Sputnik Brasil. “Por outro lado, vimos que o secretário de Estado dos EUA foi mais de oito vezes ao Oriente Médio para tentar negociar um acordo de cessar-fogo em Gaza, sem sucesso. Não vejo motivos para que ele consiga um acordo em relação ao Líbano.”
Para o professor da PUC-SP Reginaldo Nasser, a envergadura da ação militar israelense no Líbano também pode estar sendo contida pela influência das monarquias do golfo Pérsico, que deixaram de reconhecer o Hezbollah como uma organização terrorista.
“Precisamos nos atentar à posição das monarquias do golfo, que têm mudado seu posicionamento nos últimos anos e expandido sua influência no Oriente Médio”, disse Nasser. “Acredito que uma invasão terrestre israelense do Líbano seria enfaticamente recriminada por essas monarquias.”
Outro ator relevante para o contexto libanês é a sua antiga metrópole colonial França. Nesta quarta-feira (25), Paris iniciou gestões por um cessar-fogo de 21 dias entre Israel e os militantes do Hezbollah, durante o qual as partes negociariam uma desescalada permanente, reportou a Reuters.
“Estamos contando com ambas as partes para aceitá-lo sem demora, a fim de proteger as populações civis e permitir o início das negociações diplomáticas”, disse o chanceler francês Jean-Noel Barrot. “Será uma jornada demandante, mas possível.”
O governo Netanyahu, que se mostrou pouco disposto a negociar um cessar-fogo em Gaza, poderá ter cálculo distinto em relação ao Líbano. Sob forte pressão interna e externa, Netanyahu precisa se mostrar capaz de estabilizar a situação da população civil residente no norte do país, lado a lado com as forças do Hezbollah.
“Netanyahu se mostra incapaz de garantir o retorno seguro dos civis israelenses que evacuaram a região norte para escapar dos ataques do Hezbollah. Ele está sendo acusado de não conseguir nem trazer os reféns de volta de Gaza, nem estabilizar sua fronteira norte”, notou Gonçalves. “Mesmo assim, os israelenses continuam apostando em uma vitória militar contra o Hamas e o Hezbollah, em busca de uma vitória para compensar a percepção de que seu aparato de segurança falhou no [dia] 7 de outubro.”
A sensação de fracasso, porém, não é um problema só para o alto comando israelense. As recentes operações de inteligência israelenses bem-sucedidas conduzidas contra o alto comando do Hezbollah demonstraram uma fragilidade antes desconhecida do grupo libanês.
Por exemplo, a explosão de cerca de 3 mil pagers de militantes do Hezbollah entre os dias 17 e 18 de setembro deste ano, deixando 9 mortos, inclusive crianças, e 3 mil feridos, evidencia alto nível de infiltração israelense nas atividades do grupo. Segundo Nasser, a resposta militar do Hezbollah está, por enquanto, aquém da esperada.
“Seja qual for a versão sobre a operação em relação aos pagers, com certeza configura em uma falha terrível, uma exposição de fragilidade. Aparentemente, há uma infiltração no alto comando do Hezbollah”, afirmou Nasser. “E, se Israel está avançando, é porque entendeu que havia condições de fazê-lo.”
Na última semana, Israel realizou mais de 10 mil ataques aéreos contra o Líbano, atingindo alvos sobretudo em zonas civis. De acordo com autoridades libanesas, o número de mortos já ultrapassa os 600, inclusive 50 crianças, além de cerca de 1.600 pessoas feridas. Os ataques israelenses em Gaza, por sua vez, já deixaram mais de 41.400 pessoas mortas, 95.500 feridos, além de cerca de 2 milhões de desabrigados, informaram as autoridades de saúde locais.