Neste domingo (17), a Rússia encerrou com sucesso mais um ciclo eleitoral: as eleições presidenciais de 2024 terminaram com número recorde de participação popular e a vitória do atual presidente do país, Vladimir Putin.
A candidatura independente de Vladimir Putin obteve aproximadamente 87,29% dos votos, um aumento em relação aos 76,69% obtidos em 2018. O Partido Comunista da Federação da Rússia (KPRF, na sigla em russo) manteve seu tradicional segundo lugar, ainda que com uma queda significativa no desempenho eleitoral: em 2018, o candidato comunista, Pavel Grudinin, obteve 11,57% dos votos, contra os 4,30% do atual candidato, Nikolai Kharitonov.
Além dos líderes, o candidato Vladislav Davankov, do partido Novye Lyudi (Novas Pessoas, em tradução livre para o português), fez sua estreia em eleições presidenciais conquistando 3,84% dos votos, enquanto Leonid Slutsky, do tradicional Partido Liberal Democrata da Rússia (LDPR), obteve 3,21%.
Segundo dados oficiais, cerca de 77,44% da população russa compareceu às seções eleitorais, um aumento de 10% em relação ao comparecimento nas eleições presidenciais de 2018. Além disso, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia anunciou a participação de mais de 372 mil eleitores nas seções eleitorais organizadas em embaixadas do país no exterior.
De acordo com o professor de Ciência Política da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fabiano Mielniczuk, que compareceu às eleições na Rússia na qualidade de observador, o alto comparecimento se deve ao empenho do governo local para facilitar o acesso às urnas.
“Um dos motivos pelo alto comparecimento foi a disponibilização de quatro modalidades de voto: a urna tradicional, a urna móvel – para quem tem problemas de mobilidade poder votar em casa, a urna eletrônica e o voto pela Internet”, disse Mielniczuk à Sputnik Brasil. “Com três dias de eleições e quatro formas de votação, o comparecimento realmente fica alto. Porque o Estado cria as condições para que as pessoas votem.”
O observador eleitoral Henrique Domingues conta que o aumento do número de dias de votação de um para três é uma herança positiva da pandemia de COVID-19. Naquela ocasião, o governo russo decidiu ampliar os dias de votação, a fim de evitar aglomerações.
“O aumento dos dias de eleições ocorreu pela primeira vez no referendo sobre as emendas à Constituição russa, que foi realizado em meio à pandemia. E isso agora virou regra: nas eleições parlamentares de 2021, no referendo da reincorporação das regiões de Donbass, nas eleições regionais de 2023 – todos esses processos aconteceram durante três dias. E, agora, as eleições presidenciais também são realizadas em três dias“, explicou Domingues. “Isso dá mais tempo para as pessoas se organizarem.”
As diferenças entre o sistema eleitoral russo e brasileiro não param por aí. O sistema russo conta com a possibilidade de voto pela Internet, cuja segurança está garantida pelo sistema blockchain, e pelo voto a domicílio.
“As urnas volantes podem ir até a casa do eleitor, se ele solicitar. O sistema atende sobretudo pessoas com problemas de mobilidade ou com idade avançada. Nesse caso a urna vai até a pessoa, acompanhada de uma comissão de representantes de partidos, um policial e representante da seção eleitoral”, relatou Domingues.
Para o observador Mielniczuk, o que mais chamou a atenção foi “a preocupação das autoridades russas para que a população confie no processo eleitoral”.
“Por exemplo, como as eleições duram mais de um dia, as seções eleitorais contam com um sistema de filmagem 24h, que mantém as urnas no foco da câmera. E os observadores podem acompanhar essas filmagens ao vivo, e fiscalizar junto com a Comissão Eleitoral a inviolabilidade da urna”, relatou o professor de Ciência Política.
Intimidação europeia
O acesso de observadores eleitorais governamentais e da sociedade civil às eleições na Rússia sofre forte oposição por parte de países do Ocidente, em particular da União Europeia.
Apesar do ambiente de debate e troca de experiências que é criado pelos observadores internacionais, a Comissão Europeia cria um sistema de “bullying institucional” para evitar que representantes internacionais compareçam a eleições que não contam com a chancela de Bruxelas, revelou fonte ouvida pela Sputnik Brasil.
“As questões políticas estão presentes: como o Ocidente se encontra em conflito com a Rússia, não houve acordo para receber delegações da Comissão Europeia para observar as eleições russas. E a reação europeia é dizer que todas as eleições que eles não observam devem ser consideradas inválidas e politizadas”, lamentou a fonte.
A fonte relata que a “a Comissão Europeia mantém um site que denuncia observadores eleitorais com as quais eles não concordam. É um bullying institucionalizado para que observadores não compareçam a eleições que a Comissão Europeia não vê com bons olhos”.
A hostilidade europeia com observadores de eleições para as quais eles próprios não são convidados é de praxe. Grupo ligado à Comissão Europeia, chamado Plataforma Europeia para Eleições Democráticas e financiado pela União Europeia e pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, elabora “listas negras” de “observadores falsos” que compareceram a eleições sem o consentimento da Europa.
Um dos membros desta lista é o político brasileiro Antonio Anastasia, que compareceu como observador em eleição no Azerbaijão em 2020, representando o Senado brasileiro. Na “lista negra” europeia consta uma foto do então senador da República, seu currículo e afiliação partidária, condenando-o ao título de “observador fajuto”.
O caso de Anastasia revela que a Comissão Europeia intimida não só observadores da sociedade civil, como também representantes governamentais, com o intuito de reduzir a participação internacional em eleições não acatadas por Bruxelas.
“Nesse sentido, acho que foi um erro o Brasil não enviar representantes para observar as eleições na Rússia, considerando o tamanho do Brasil e da Rússia, e os 200 anos de suas relações diplomáticas”, declarou o professor de Ciência Política Mielniczuk. “A minha presença, como acadêmico, dá-se em função da abertura para a sociedade civil participar. Mas o governo brasileiro não enviou representantes e, na minha avaliação, errou.”
A ausência brasileira contrasta com a presença de países da Ásia, África e demais regiões do Sul Global, que enviaram representantes governamentais em quantidade significativa, apontou Mielniczuk.
O relato feito pelos observadores brasileiros das eleições russas à Sputnik Brasil contrasta com a cobertura da mídia corporativa ocidental sobre o tema, que busca deslegitimar o sistema eleitoral russo.
“Quando vemos o processo com os próprios olhos, você vê que a situação é completamente diferente. Então é muito importante ter observadores internacionais também para poder veicular a mensagem de que as eleições aqui não ocorrem da maneira que a mídia ocidental coloca, com todos os seus vieses e interesses que nós, no Brasil, sabemos muito bem que ela tem”, concluiu Domingues.