Após meses de antecipação, tem início nesta segunda-feira (20/03) a aguardada viagem de três dias a Moscou do líder chinês Xi Jinping, que acaba de confirmar seu terceiro mandato. Caracterizada por Pequim como “uma visita pela paz”, ela teria como objetivo “melhorar a governança global” e contribuir para “o desenvolvimento e o progresso do mundo”.
Além de se encontrar pessoalmente com seu homólogo russo, Vladimir Putin, Xi também deverá de comunicar com o chefe de Estado ucraniano, Volodimir Zelenski. De acordo com governo russo, na pauta das discussões estão o desenvolvimento da parceria entre os dois países e a assinatura de documentos bilaterais importantes.
Alguns analistas veem no encontro uma tentativa da China de capitalizar os recentes créditos diplomáticos obtidos por sua mediação do acordo entre Irã e Arábia Saudita, resultando no restabelecimento das relações diplomáticas entre os dois países.
“Eles querem avançar para no mínimo o início de um processo de negociação entre Rússia e Ucrânia”, disse Velina Tchakarova, especialista em geopolítica sediada na Áustria. “É por isso que eles anteciparam essa visita.”
Tchakarova acrescenta que tanto China quanto Rússia tentarão usar a viagem para ampliar as narrativas antiocidentais e antiamericanas, e ao mesmo tempo mostrar quão forte é o vínculo e o relacionamento bilateral entre ambas. “Tudo isso é crítico do ponto de vista de Pequim, já que o governo chinês pretende aprofundar as relações com muitos países que criticam os EUA.”
China pode ser mediadora?
Ao longo do último ano, a China tentou se apresentar como neutra na guerra em curso na Ucrânia, exortando tanto Moscou quanto Kiev a iniciarem negociações de paz, apelando pelo abandono de uma “mentalidade da Guerra Fria“. Embora em fevereiro o país asiático tenha delineado sua posição sobre a guerra por meio de um documento de 12 pontos, muitos países ocidentais permanecem céticos quanto suas intenções, pois Pequim continua a manter sua parceria com Moscou.
Os Estados Unidos chegaram a alertar para o risco de a China fornecer armas letais à Rússia, mas no início de março o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, citou garantias chinesas de que não cruzariam essa linha. Além do mais, a recente mediação do acordo Irã- Arábia Saudita convenceu alguns países e analistas de que a China possa desempenhar um papel semelhante na guerra na Ucrânia.
No entanto, Andrew Small, pesquisador-chefe do think tank americano de políticas públicas German Marshall Fund (GMF), acredita que, embora a China queira se apresentar como mediadora, é duvidoso que esteja disposta a pressionar qualquer parte do conflito em curso a buscar negociações de paz. “A China teria que pressionar a Rússia, mas não vimos nenhuma indicação de vontade real de fazer isso.”
Outros analistas avaliam que os esforços chineses para se enquadrar como um mediador no conflito global são apenas aparentes, e a intenção maior seria “criar divisões entre os EUA e os países europeus”.
“Embora sabendo que a percepção de Washington sobre a posição chinesa na guerra não pode ser mudada, Pequim acha que podem fazer algo para mudar essa percepção na Europa”, avalia Justyna Szczudlik, analista da China no Instituto Polonês de Assuntos Internacionais (PISM).
Embora a China tente se apresentar como “pacífica” para certos países, para Szczudlik o fato de ainda não ter condenado publicamente a guerra da Rússia prova que não mudou sua posição sobre o conflito. “Tentar convencer a Ucrânia e a Rússia a entrar em negociações de paz sem dizer à Rússia para retirar suas tropas da Ucrânia é a melhor prova de que a China não pode ser um mediadora”
Viagem delicada para o governo chinês
Apesar do ceticismo de alguns países ocidentais, a Ucrânia ainda acredita que a China possa desempenhar um papel importante na facilitação do processo de paz na guerra em curso. No aniversário da invasão russa, o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, convocou Pequim a participar de uma cúpula para discutir o que Kiev descreve como uma fórmula para a paz.
Em conversa com seu homólogo ucraniano, Dmitro Kuleba, em 16 de março, o ministro das Relações Exteriores da China, Qin Gang, afirmou que a posição de Pequim sobre a guerra permanece objetiva e justa, e que estaria comprometido em promover a paz e avançar nas negociações. Além disso, seu país teria apelado à comunidade internacional para que crie condições para negociações de paz.
Segundo Tchakarova, Kiev entende que a China é um dos poucos países que podem exercer influência sobre a Rússia e pressionar os dois lados a retomarem as negociações de paz. A Ucrânia poderá usar o provável telefonema entre Zelenski e Xi para avaliar a posição de Pequim sobre a guerra, receber eventuais mensagens de Moscou e falar sobre algumas questões não militares urgentes, como preços de commodities e exportação de grãos.
“Tópicos concretos como exportação de grãos, troca de prisioneiros de guerra ou garantia de um corredor humanitário seguro fazem parte de um plano de paz, e a China pode apresentar tais coisas como sucessos”, explicou a especialista em geopolítica.
Mas alguns países permanecem céticos quanto à verdadeira posição do gigante asiático sobre a guerra, uma vez que continua a se alinhar diplomática e economicamente com a Rússia. Quando seu principal diplomata, Wang Yi, visitou Moscou em fevereiro, ele descreveu como “sólidos como uma rocha” os laços bilaterais, acrescentando que Pequim continuará comprometido com seu “relacionamento cooperativo” com Moscou, independentemente dos desdobramentos internacionais.
A China também continua sendo uma das maiores parceiras comerciais da Rússia, mesmo num momento em que esta enfrenta enorme volume de sanções impostas pelo bloco ocidental liderado pelos Estados Unidos. Ela é o maior comprador de petróleo russo, enquanto o comércio bilateral cresceu 34,3% em 2022, segundo a mídia estatal chinesa Global Times.
Szczudlik, do PISM, argumenta que, na visão da China e Rússia, é importante fortalecer os Estados autoritários, pois ambas veem o bloco ocidental formando um cerco: “Do ponto de vista chinês e russo, é a sobrevivência dos países autoritários que está em jogo.”
Small, da GMF, descreve a ida de Xi a Moscou como “extremamente delicada”, dividida entre a necessidade de se comprometer com a Ucrânia e manter sua parceria com a Rússia: “Esta viagem precisa ser tratada com cuidado, pois há a impressão de que Pequim cada vez aposta mais fundo em seu relacionamento com a Rússia.”
Aumento da visibilidade internacional
Em meio a seus esforços para se apresentar como potencial mediador na guerra na Ucrânia, Pequim também aumentou sua ofensiva de charme diplomático nos últimos meses, organizando uma série de cúpulas com líderes de Belarus, Irã e Arábia Saudita, enquanto tenta reparar relações com países ocidentais como Austrália e Alemanha.
Para Small, tais medidas demonstram tentativas da China de consolidar seu próprio bloco: “Muito disso visa tanto construção de blocos quanto construção da paz”. Assim, Pequim tentaria garantir um grupo de aliados na luta e competição contínua com os Estados Unidos.
Outros especialistas acham que Pequim também tentará aumentar sua visibilidade global por meio de seu papel que desempenha no atual conflito. “A guerra é um trampolim para a China obter maior credibilidade internacional”, afirma Una Cerenkova, chefe do Centro de Estudos da China na Universidade Riga Stradins. “Se a China quiser manter sua credibilidade, Xi precisa falar com Zelenski mais cedo ou mais tarde.”
Apesar de alguma esperança de que a potência asiática possa ajudar a facilitar as negociações de paz russo-ucranianas, os especialistas desaconselham otimismo demasiado quanto à perspectiva de Pequim ser um “ator benigno da paz”: “A China ainda tem a Rússia como principal parceira, e isso não vai mudar”, assegura Andrew Small.
“O Ocidente deve ficar de olho num cenário muito mais perigoso, o das formas de apoio chinês à Rússia que seguirão se aprofundando. A questão é se isso criará as pré-condições para a China transferir armas [para a Rússia] no futuro. As razões para se preocupar com a direção das relações sino-russas permanecem.”