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Experiência do Rio com reconhecimento facial indica que o Brasil está apto a sediar grandes eventos?

Especialista analisa os resultados positivos do uso de reconhecimento facial no combate à criminalidade no Rio de Janeiro durante o Carnaval, e como isso reflete na capacidade do Brasil de sediar grandes eventos.

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A tecnologia se tornou uma aliada da segurança pública no Brasil. No recorte do Rio de Janeiro, a mais recente tecnologia adotada no combate à criminalidade foi o sistema de reconhecimento facial.

Segundo o mais recente balanço divulgado pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, mais de 150 câmeras de videomonitoramento foram instaladas em locais de grande circulação e concentração de pessoas, como em estações das Barcas, Metrô e Supervia, na orla, em blocos e no entorno da Marquês de Sapucaí.

O sistema permitiu a identificação e prisão de sete pessoas foragidas, no período entre o dia 9 e a madrugada do dia 13 de fevereiro. Com isso, já são 20 pessoas presas com o uso de reconhecimento facial desde o Réveillon, quando a tecnologia passou a ser adotada no estado. Ademais, foram mobilizados para reforçar a segurança no Carnaval 12 mil agentes da Polícia Militar, com um balanço de 326 prisões e 60 apreensões de adolescentes durante o período de folia. Do total de pessoas presas, 41 já tinham mandado de prisão em aberto.

A discussão relativa a novas formas de combater a criminalidade não é nova, mas ganhou novo impulso com a intenção do atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de colocar o Brasil novamente no circuito dos grandes eventos mundiais. Nessa lista, está a Cúpula do G20, em novembro, no Rio de Janeiro, e a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), marcada para o final de 2025, em Belém, no Pará.

Em entrevista à Sputnik Brasil, o professor José Ricardo Bandeira, perito em criminalística e criminologia, comentarista de segurança pública, presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina (Inscrim) e membro ativo da Associação Internacional de Polícia (IPA, na sigla em inglês), analisa o recorte da experiência do Carnaval do Rio no quesito segurança pública para responder à seguinte questão: o Brasil está preparado para sediar grandes eventos?

Bandeira explica que a insegurança no Rio de Janeiro e outras capitais é fruto de uma soma de fatores, sendo um deles a violência armada e o tráfico de drogas.

“A presença de grupos criminosos armados, envolvidos no tráfico de drogas e outras atividades ilícitas, é uma fonte significativa de violência e instabilidade em muitas áreas urbanas do Brasil”, explica o especialista.

Ele acrescenta que outro desafio para o aprimoramento da segurança pública é o combate à corrupção e à má gestão. Isso porque “a corrupção em instituições públicas, incluindo forças policiais, pode minar os esforços de combate ao crime e a confiança da população nas autoridades”.

Outro fator apontado é a desigualdade econômica e social, que “pode alimentar a criminalidade, criando condições que tornam certas comunidades mais propensas à marginalização e à violência”.

Segundo Bandeira, esses fatores contribuem para a insegurança, que, por sua vez, afeta profundamente o potencial turístico e a qualidade de vida das cidades.

“O turismo muitas vezes é prejudicado pela percepção de insegurança, afastando visitantes em potencial e impactando negativamente a economia local. Além disso, a violência urbana cria um clima de medo e ansiedade entre os residentes, afetando sua qualidade de vida e seu bem-estar emocional. A falta de segurança também tem efeitos diretos na economia local, com empresas relutantes em investir em áreas consideradas de alto risco, o que pode levar ao desemprego e à falta de oportunidades de desenvolvimento econômico para os residentes”, explica Bandeira.

“Para lidar com esses desafios, são necessárias abordagens abrangentes que incluam investimentos em segurança pública, políticas de inclusão social e econômica, medidas de prevenção ao crime e combate à corrupção. Além disso, é importante promover o fortalecimento das instituições de Justiça e a construção de uma relação de confiança entre a polícia e as comunidades locais. Essas medidas podem ajudar a melhorar a segurança pública e criar um ambiente mais propício ao turismo e ao desenvolvimento sustentável das cidades”, complementa.

Por que o uso do reconhecimento facial na segurança é controverso?

Questionado sobre os dados divulgados pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro, relativos às prisões com reconhecimento facial, Bandeira afirma que os números são positivos, “especialmente considerando o desafio de lidar com grandes multidões em eventos de massa e o baixo número de foragidos presos em operações policiais de rotina”.

“A identificação e prisão de foragidos representam uma vitória para as autoridades de segurança pública, demonstrando a eficácia da tecnologia de reconhecimento facial ao identificar indivíduos procurados pela Justiça em meio a grandes concentrações de pessoas.”

Porém, ele alerta que “é importante continuar avaliando criticamente o uso da tecnologia de reconhecimento facial e garantir que seus benefícios sejam equilibrados com a proteção dos direitos individuais e a preservação da privacidade”.

Isso porque, apesar dos benefícios que o sistema de reconhecimento facial proporciona na prevenção e no combate à criminalidade, existem riscos significativos associados ao uso dessa tecnologia.

Segundo Bandeira, os principais riscos incluem:

Violações de privacidade: o reconhecimento facial pode ser usado para rastrear os movimentos das pessoas em espaços públicos, levantando preocupações sobre vigilância em massa e violações de privacidade;

Erro e viés: os sistemas de reconhecimento facial não são infalíveis e podem cometer erros, identificando erroneamente pessoas inocentes como suspeitas. Além disso, esses sistemas podem apresentar viés racial ou étnico, levando a uma maior probabilidade de erro ao identificar pessoas de certas comunidades;

Segurança de dados: o armazenamento e o uso de dados biométricos apresentam riscos de segurança, incluindo acesso não autorizado, roubo de identidade e uso indevido de informações pessoais.

“Portanto, ao avaliar se os benefícios do reconhecimento facial superam os riscos, é essencial fazer uma análise cuidadosa dos impactos potenciais em termos de direitos individuais, privacidade e justiça. Isso requer um equilíbrio entre a necessidade de segurança pública e a proteção dos direitos e das liberdades individuais. Regulamentações claras, supervisão independente e salvaguardas robustas são fundamentais para mitigar os riscos associados ao uso dessa tecnologia e garantir que seus benefícios sejam maximizados de forma ética e responsável.”

Ele afirma ainda que outro fator a ser levado em consideração é a segurança dos dados coletados. Segundo ele, a preocupação em torno dessa questão “é totalmente justificada, dada a sensibilidade das informações biométricas e o potencial de uso indevido desses dados”.

“Garantir a segurança dos dados é fundamental para proteger a privacidade e os direitos individuais das pessoas”, explica Bandeira, acrescentando que “embora não exista uma solução única e infalível para garantir a segurança dos dados, existem várias medidas que podem ser implementadas para mitigar os riscos.”

Entre as medidas capazes de reduzir os riscos estão: a implementação de criptografia robusta para proteger de acesso não autorizado dados biométricos armazenados e transmitidos; a implementação de controles de acesso rigorosos para garantir que apenas pessoas autorizadas tenham permissão para acessar e manipular os dados biométricos; o estabelecimento de políticas claras de retenção de dados para determinar por quanto tempo os dados biométricos serão armazenados e quando devem ser permanentemente excluídos; a realização de auditorias regulares para monitorar o acesso a dados biométricos e detectar atividades suspeitas ou não autorizadas; e a implementação de medidas de segurança cibernética robustas, como firewalls, detecção de intrusões e sistemas de prevenção de malware, para proteger os dados contra ataques cibernéticos.

“Além disso, é fundamental que as organizações que coletam e armazenam dados biométricos estejam em conformidade com regulamentações de privacidade de dados, como a Lei Geral de Proteção de Dados [LGPD]. Essa regulamentação estabelece requisitos específicos para o tratamento de dados pessoais, incluindo dados biométricos, e impõem penalidades por violações”, afirma Bandeira.

Como lidar com a segurança no dia a dia?

Uma das principais queixas das populações de grandes cidades é o fato de a segurança ser aprimorada apenas em épocas que ocorrem grandes eventos, criando uma segurança sazonal que não se espelha no dia a dia da população local.

Bandeira argumenta que essa crítica “reflete uma preocupação válida com a disparidade entre as medidas extraordinárias implementadas durante eventos especiais e a falta de investimento e atenção contínuos na segurança pública em situações normais”.

“Na realidade carioca e brasileira, manter a segurança de forma permanente é um desafio complexo e multifacetado. Isso requer não apenas recursos adequados, incluindo financiamento para as forças de segurança, mas também políticas eficazes de prevenção ao crime, investimento em infraestrutura, serviços sociais e uma abordagem holística para lidar com as causas subjacentes da criminalidade.”

O criminologista destaca que é importante reconhecer que eventos de grande escala, como o Carnaval, muitas vezes recebem uma atenção especial das autoridades devido ao potencial de impacto na segurança pública e na imagem internacional do país. Porém, afirma que “a segurança pública não deve ser vista como uma preocupação sazonal, mas sim como uma prioridade contínua”.

“Para manter a segurança de forma permanente, é essencial adotar uma abordagem integrada que envolva a comunidade, fortaleça as instituições de segurança pública, promova a transparência e a responsabilização e aborde as raízes profundas da criminalidade, como desigualdade socioeconômica, acesso limitado à educação, oportunidades de emprego e tráfico de drogas. Além disso, é crucial que os esforços de segurança sejam sustentados ao longo do tempo, independentemente de eventos específicos, e que haja um compromisso contínuo das autoridades e da sociedade civil em garantir um ambiente seguro e inclusivo para todos os cidadãos”, explica o especialista.

“Em resumo, embora seja desafiador, é possível manter a segurança de forma permanente na realidade carioca e brasileira, desde que haja um compromisso sério e contínuo com a implementação de políticas e medidas eficazes de segurança pública em todos os níveis”, acrescenta.

Qual é a relação entre a impunidade e o aumento da criminalidade no Brasil?

Bandeira afirma que a impunidade também está profundamente ligada à criminalidade, e afirma que a falta de responsabilização pelos crimes cometidos é um fator significativo que contribui para a violência de várias maneiras. Entre elas estão:

Incentivo ao crime: quando os criminosos percebem que podem cometer crimes sem enfrentar consequências legais, isso pode encorajá-los a continuar suas atividades criminosas. A impunidade cria um ambiente em que a criminalidade é vista como uma escolha de baixo risco e alta recompensa;

Desconfiança na Justiça: a falta de punição para os crimes pode minar a confiança da população no sistema de Justiça. Quando as pessoas não acreditam que os criminosos serão responsabilizados por seus atos, elas podem ser menos propensas a relatar crimes ou cooperar com as autoridades, o que dificulta a aplicação da lei;

Ciclo de violência: a impunidade pode alimentar um ciclo de violência, em que as vítimas ou suas comunidades buscam vingança de forma privada, uma vez que não confiam no sistema de Justiça para garantir a justiça. Isso pode levar a um aumento da violência e da escalada de conflitos;

Desestabilização social: a impunidade pode contribuir para a desestabilização social, minando a ordem pública e a coesão comunitária. Quando as pessoas percebem que não há consequências para o comportamento criminoso, isso pode criar um clima de medo e incerteza que afeta negativamente a qualidade de vida e o bem-estar emocional das comunidades.

“Para combater eficazmente a violência, é essencial abordar a impunidade e garantir que os responsáveis pelos crimes sejam responsabilizados de acordo com a lei. Isso requer um sistema de Justiça eficaz e transparente, investimentos em investigações policiais, capacitação para garantir a coleta adequada de evidências e medidas para fortalecer a confiança da população no sistema de Justiça”, destaca o especialista.

Além do reconhecimento facial, que outras tecnologias podem ser aplicadas contra o crime?

O reconhecimento facial não é a única tecnologia capaz de reduzir a criminalidade. Bandeira lista outras tecnologias com bons resultados nesse contexto. Uma delas é a videovigilância inteligente, “com sistemas de câmeras de vigilância equipados com análise de vídeo inteligente, que pode ajudar a detectar comportamentos suspeitos, identificar padrões de atividade criminosa e fornecer evidências forenses para investigações criminais”.

Outra tecnologia é a análise avançada de dados e o uso de algoritmos de inteligência artificial para ajudar as forças de segurança a identificar tendências criminais, prever áreas de risco e direcionar recursos de forma mais eficiente para a prevenção e o combate ao crime.

Ele também afirma que o uso de sistemas de reconhecimento de placas de veículos pode ajudar a rastrear veículos roubados, identificar carros associados a atividades criminosas e monitorar o tráfego em tempo real para detectar violações de trânsito e outras infrações, e que aplicativos móveis podem permitir que os cidadãos relatem crimes, solicitem assistência de emergência e recebam alertas de segurança em tempo real, melhorando a comunicação entre a população e as autoridades.

Ademais, ele aponta que ferramentas de mapeamento e visualização de dados podem ajudar a monitorar a distribuição geográfica da criminalidade, identificar áreas de alta incidência de crimes e avaliar a eficácia das estratégias de segurança.

“Essas são apenas algumas das tecnologias disponíveis que têm o potencial de melhorar a segurança pública. No entanto, é importante notar que o sucesso dessas tecnologias depende não apenas de sua implementação técnica, mas também de considerações éticas, legais e de privacidade, bem como da necessidade de envolver a comunidade e garantir a transparência no uso dessas ferramentas.”

O Brasil está pronto para sediar grandes eventos?

Questionado se a experiência do Rio de Janeiro pode sinalizar que o Brasil está pronto para ser a sede de grandes eventos mundiais como a Cúpula do G20 e a COP30, Bandeira cita quatro fatores que influenciam nessa capacidade, sendo o primeiro a infraestrutura.

“A capacidade do Brasil de sediar grandes eventos está intrinsecamente ligada à sua infraestrutura, incluindo instalações de conferência, transporte público, acomodações e serviços de segurança. O país precisará garantir que tenha infraestrutura adequada para acomodar os participantes e garantir um evento bem-sucedido”, explica o especialista.

O segundo fator é a segurança, “uma consideração fundamental para eventos de grande escala, especialmente aqueles que reúnem líderes mundiais e figuras importantes”.

“O Brasil precisará implementar medidas robustas de segurança para proteger os participantes e garantir o bom funcionamento dos eventos, incluindo monitoramento, controle de multidões e resposta a possíveis ameaças.”

Outros fatores apontados pelo especialista são a preparação logística e o compromisso político de autoridades.

“A preparação logística é essencial para garantir que os eventos sejam executados sem problemas. Isso inclui planejamento de transporte, alojamento, alimentação e outras necessidades básicas dos participantes, bem como a coordenação eficaz entre as diferentes partes envolvidas na organização dos eventos. O sucesso na organização de grandes eventos também depende do compromisso político do governo e das autoridades locais em garantir que todas as necessidades sejam atendidas e que o país seja capaz de cumprir seus compromissos como anfitrião.”

Bandeira afirma que a experiência que o Brasil possui na realização de grandes eventos, como as Olimpíadas de 2016, a Copa do Mundo de 2014, os Jogos Pan-Americanos de 2007 e fóruns internacionais habilita o país a sediar a Cúpula do G20 e a COP30, embora seja necessário observar especialmente e considerar os desafios e as incertezas que podem surgir ao longo do tempo.

“No entanto, é importante que o Brasil comece a se preparar com antecedência, identificando áreas de necessidade e trabalhando para garantir que tenha os recursos e a capacidade necessários para realizar com sucesso esses eventos de importância global”, conclui o especialista.