Como ocorre nas diversas áreas que compõem um governo, também no campo da saúde pública tem gente trabalhando na equipe de transição montada pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, com o objetivo de organizar uma agenda para a gestão petista. A quem está nesse grupo, dedicado a tal setor, não foi nada difícil diagnosticar o caos deixado pelo bolsonarismo. Tarefa árdua, essa sim, está sendo a tentativa de planificar as ações futuras e, por isso, tem-se avançado aquém do desejado. Motivo: Jair Bolsonaro e seus companheiros, todos sofredores de terrível compulsão por segredos de um século, também decretaram sigilo sobre informações essenciais do Ministério da Saúde.
Por incrível que possa parecer, o Grupo de Transição da Saúde (GT-Saúde), que estreou no início do mês passado, até o momento não teve acesso sequer a dados relativos a estoques e prazos de validade de vacinas, medicamentos e demais produtos médicos. E, dentre os remédios, sobre os quais não há informações disponibilizadas, estão os que agem em doenças como malária, tuberculose, Aids e hepatite – ou seja, no controle estratégico da profilaxia e do bem-estar da saúde pública. “É literalmente uma gestão feita no escuro”, resume o coordenador do GT, o médico sanitarista Arthur Chioro, ex- ministro da Saúde no governo de Dilma Rousseff.
Com foco especial na reconstrução do SUS e na recuperação do Programa Nacional de Imunizações (PNI), a equipe vem apelando a outras fontes, a exemplo do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass). Recentemente, o tribunal enviou relatórios de fiscalização sobre questões estruturais do SUS. Já os secretários de estados e municípios vêm fornecendo estatísticas de vacinação. É fácil para o time da transição dizer aquilo que o governo Bolsonaro não fez na área da saúde porque absolutamente nada foi feito. “Já estamos em dezembro e o Ministério da Saúde até agora não programou a aquisição de vacinas para 2023”, diz Chioro. “O Instituto Butantã fornece nada menos que oito das vacinas obrigatórias do calendário do SUS, mas não foi procurado”.
O sanitarista Chioro ressalta que a vacinação no País está “completamente atrasada”, já que 40% da população adulta não tomou doses de reforço. “Em relação às crianças, houve objetivamente uma restrição da oferta. Bebês entre seis meses e dois anos só receberam vacinas se portassem comorbidades”. Um dos idealizadores do SUS, o médico sanitarista Gonzalo Vecina Neto classifica como “destrutiva” a gestão Bolsonaro na saúde, e cita o ex-ministro Eduardo Pazuello. “Ele, como general, acabou com a transparência. Fez o que o Exército sabe fazer: esconder para ninguém ver”. Ainda assim, Vecina crê na possibilidade de reconstrução do SUS e do PNI. Por uma simples razão: “Tudo o que deixou de ser feito por falta de governo pode ser feito agora, com governo”. Um perfeito resumo da situação foi dado em reunião entre a equipe de transição, na qual todos usaram máscara, e a equipe da atual gestão, em que ninguém esteve com o equipamento protetor. Aloizio Mercadante fez um irônico e exato raio X: “existe a equipe de transição e a equipe de transmissão”.
Vacina 100% brasileira
No final de novembro entrou na fase de testes em humanos, na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a primeira vacina contra a Covid-19 desenvolvida com tecnologia e insumos totalmente nacionais – ou seja, ela é 100% brasileira. Chama-se ASpiN-Tec e foi feita em parceria com pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz Minas). Coordenador dos ensaios clínicos, o professor Helton Santiago, do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG, ressalta a importância da ciência para a resolução das mazelas da saúde pública. “A politização da pandemia só trouxe prejuízos ao Brasil. A resposta eficaz veio da ciência, com o desenvolvimento de vacinas que salvaram milhões de pessoas”.
No caso específico da SpiN-Tec, Santiago comemora ainda o fato de o imunizante ter sido desenvolvido numa universidade federal: “Acho muito importante dar esse retorno à população brasileira, uma vez que as universidades públicas foram achincalhadas pelo bolsonarismo”. Na semana passada anunciou-se uma
nova tesourada da ordem de R$ 1,6 bilhão. (G.R.)