O isolamento progressivo de Nicolás Maduro (à direita na foto) após a farsa eleitoral de 28 de julho tem levado a análises curiosas sobre o papel do governo Lula (à esquerda na foto) na crise.
Especialistas em política externa se aventuram a destacar o papel de mediação do Brasil, único aliado relevante que restou no mundo democrático para o regime venezuelano. Há quem fale até em “estratégia” diplomática ao mencionar o histórico do Itamaraty para analisar a postura de Lula e de seu assessor Celso Amorim na questão. Não faz sentido.
Carlos Graieb já disse em Lula, sócio majoritário da tragédia venezuelana, assim como Ricardo Kertzman em Celso Amorim é mais que “observador” da farsa eleitoral de Maduro, e eu repito nesta análise: o governo Lula faz parte da tragédia venezuelana. Não é mediador, é cúmplice.
Se o Palácio do Planalto não reconhece a vitória do opositor Edmundo González Urrutia, como fizeram Estados Unidos, Argentina e Uruguai, entre outros, não é por calcular uma estratégia para a saída da crise, mas porque faz parte dela.
E a narrativa?
No momento em que admitir que Maduro fraudou a eleição, o governo Lula reconhecerá automaticamente o que já deveria ter reconhecido há meses: não há democracia na Venezuela, e não é de hoje, não é desde 28 de julho, quando a oposição foi impedida de acompanhar a apuração dos votos.
Faz bem mais de uma década que a Venezuela não sabe o que é democracia, mas Lula recebeu Maduro com pompas de chefe de Estado em maio de 2023, há pouco mais de um ano, e lhe deu uma dica pública de como lidar com o que ele considerava críticas injustas aos desmandos do regime.
“Companheiro Maduro, é preciso que você saiba a narrativa que se construiu contra a Venezuela, da antidemocracia, do autoritarismo”, disse Lula ao lado de Maduro, em entrevista coletiva, completando: “É preciso que você [Maduro] construa a sua narrativa. E eu acho que, por tudo que nós conversamos, a sua narrativa vai ser infinitamente melhor“.
A narrativa que Maduro encontrou para explicar a fraude eleitoral é que o “Golias Elon Musk” foi responsável pelo “primeiro golpe de Estado cibernético na história da humanidade”. Será que cola, Lula?
Chanceler paralelo
É por ser cúmplice de Maduro que o chanceler paralelo Amorim se vê forçado a manter um discurso cândido de confiança nas instituições venezuelanas. “Não há dúvidas [de] que, como outros, nós estamos decepcionados com a demora do Conselho Nacional Eleitoral em publicar os dados“, lamentou Amorim, como se o CNE não tivesse feito parte da farsa, ao inabilitar opositoras como María Corina Machado para a disputa eleitoral.
Esse discurso de confiança nas instituições da Venezuela, dominadas há décadas pelo chavismo, é de um cinismo constrangedor. O presidente do CNE, Elvis Amoroso, pediu investigação sobre três opositores do regime, entre eles Corina Machado e Leopoldo López, por um alegado “ataque cibernético” durante a contagem dos votos. Mesmo sem a existência de qualquer prova, o procurador-geral apresentou denúncia contra todos no dia seguinte.
Diante de tudo isso, é preciso deixar claro que qualquer benefício da alegada mediação brasileira na crise venezuelana ocorrerá por fruto de golpes de sorte. O governo Lula não está nessa condição por se comportar de forma imparcial ou fazer cálculos diplomáticos, mas por ter um lado bem claro nessa história.
É por isso que o Brasil toma conta hoje das embaixadas da Argentina e do Peru na Venezuela, após a expulsão dos representantes desses países, entre outros que ousaram questionar de fato a “vitória” de Maduro. Não é uma questão de solidariedade, mas de responsabilidade pelo que está acontecendo na Venezuela neste momento.