A eleição de 2022 já parece distante, mas Janja Lula da Silva e Michelle Bolsonaro, personagens que contribuíram de forma decisiva para galvanizar as bases de apoio de Luíz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro na corrida presidencial, seguem no centro da arena política e buscam papéis cada vez maiores de protagonismo. As duas têm demonstrado que não vão se contentar com o papel de meras coadjuvantes. Há sinais de que pretendem traçar os próprios caminhos e se firmar como importantes lideranças de suas correntes político-partidárias, inclusive na disputa pelos eleitores.
Tanto Janja quanto Michelle têm garantido bastante visibilidade junto ao eleitorado, em especial nas redes sociais. No carnaval, coincidência ou não, ambas estrelaram vídeos contra o assédio sexual. “A gente sabe que os dias de carnaval são os dias em que nós, mulheres, sofremos o maior número de assédios, de importunação sexual. Se for preciso, acione o 180”, diz a atual primeira-dama, na peça divulgada em seus perfis pessoais na sexta, 17. Horas depois, ainda no mesmo dia, foi a vez de a ex-primeira-dama se manifestar sobre o assunto, como presidente do PL Mulher: “Se for vítima de assédio, denuncie”. No vídeo divulgado pelo partido, Michelle estava vestida de rosa, “cor de menina”, conforme a ex-ministra da Mulher e senadora Damares Alves, outra estrela do bolsonarismo.
“Acho que Janja tem espaço no PT e pode desempenhar um papel muito importante”
Daniela Constanzo, pesquisadora da USP/Cebrap
Se Janja já tinha um longo histórico de militância política – a socióloga de 56 anos está no PT desde 1993, quando tinha 17 anos –, o mesmo não se pode dizer de Michelle, 40 anos, que até recentemente se definia como “ajudadora do esposo”. No ano passado, durante a campanha eleitoral, iniciou sua trajetória política ao ser escalada para consolidar a liderança do marido junto ao eleitorado evangélico. E agora, como no poder não existe vácuo, surge como possível alternativa da extrema direita para 2026. “Se (Jair) Bolsonaro não for candidato, nós temos a Michelle”, declarou Valdemar Costa Neto, presidente do PL, ao anunciar o nome da ex-primeira-dama para a presidência da ala feminina do partido. Inconformado com o resultado das urnas, o ex-presidente segue “descansando” em Orlando, nos Estados Unidos, onde se encontra desde o final do ano passado.
Estratégias
“Político experimentado, Valdemar Costa Neto percebeu um nicho do eleitorado. Ele está levando a Michelle para o partido porque percebeu que isso pode ser frutífero”, avalia a cientista política Carolina Botelho, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). “Não é possível saber se isso vai se manter, mas hoje ela vem conseguindo se consolidar no cenário político”. Daniela Constanzo, pesquisadora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) e do Cebrap, lembra que Michelle chegou a participar das articulações para tentar eleger o bolsonarista Rogério Marinho para a presidência do Senado, no início do mês. “Com Bolsonaro ausente, ela tende a ganhar mais espaço entre o eleitorado conservador”, analisa. “O fato de essa nova liderança ser mulher é ainda melhor para o discurso e a campanha da direita”. Bolsonaro encontrou forte resistência junto ao eleitorado feminino na eleição.
As duas pesquisadoras também reconhecem o potencial político-eleitoral de Janja, embora avaliem que, pelo menos por ora, a primeira-dama não tem sinalizado nessa direção. “Não sei se Janja tem alguma pretensão político-eleitoral”, diz Botelho. “Mas ela tem estatura para isso e está construindo uma história própria, com uma certa independência da agenda do marido. Isso é fruto da experiência de vida dela como mulher, como militante e como profissional”. Constanzo vai na mesma linha. Para a pesquisadora, ainda é cedo para dizer se Janja vai ou não se lançar em campanhas eleitorais – até porque ela ainda está começando a construir sua figura pública. “Acho que ela tem espaço dentro do PT e pode desempenhar um papel muito importante”.
“Não é possível saber se isso vai se manter, mas hoje Michelle vem conseguindo se consolidar no cenário político” Carolina Botelho, cientista política da UERJ
Mas se as duas ajudam a garantir as bases de apoio de seus maridos, por outro lado também mobilizam os opositores de Lula e Bolsonaro. Um vídeo de Janja dançando em um camarote em Salvador durante o carnaval tem circulado à exaustão em grupos bolsonaristas e nas redes sociais, em contraposição a um post da primeira-dama no qual ela fala em “tristeza e angústia”, ao lamentar a tragédia ocorrida no litoral norte de São Paulo no último final de semana. “Olha a primeira-dama de vocês aí”, provocou o deputado federal e influenciador digital Nikolas Ferreira (PL). Por sua vez, os apoiadores de Lula dão um jeito de manter em evidência e não deixar ninguém se esquecer dos jamais explicados cheques num total de R$ 89 mil depositados por Fabrício Queiroz, amigão de Bolsonaro, na conta da ex-primeira-dama, fato que lhe rendeu o apelido “Micheque”. Ainda é cedo para dizer se Janja e Michelle vão ou não ascender nos espaços de poder que passaram a ocupar, mas, sem dúvida, parece que as duas vieram para ficar.