Ao equiparar as ações de Israel em Gaza às práticas do regime nazista, Lula, que passou a receber diversos ataques da oposição e mesmo de parte da mídia, teve seu posicionamento acolhido por seu círculo mais próximo. Gleisi Hoffmann, presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), saiu em defesa de Lula, criticando a truculência de Benjamin Netanyahu e a reação de Israel às palavras do presidente brasileiro. Hoffmann e a liderança do PT afirmaram que Lula não deve recuar em suas declarações quanto à equiparação das mortes em Gaza ao Holocausto. Ao longo dos anos, vale lembrar, o PT procurou estabelecer relações próximas com a Organização para a Libertação da Palestina (OLP), no sentido da formação de uma aliança política que pudesse fazer caminhar as reivindicações dos palestinos no Oriente Médio. O entorno de Lula, portanto, constitui-se de pessoas e de forças sociais que advogam em prol da causa palestina. Lula e a diplomacia brasileira, ademais, há anos defendem uma solução de dois Estados na região, um judeu e um árabe, de modo a que ambos possam conviver em paz nessa que é uma das áreas geopoliticamente mais conturbadas do planeta.
Voltando ao contexto nacional, outra força política próxima do PT, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) enviou mais de 13 toneladas de alimentos para Gaza somente no final do ano passado, como forma de ajuda humanitária aos palestinos. Em novembro de 2023, por sua vez, diversas entidades da esquerda brasileira lançaram um manifesto pelo fim do que consideravam um “genocídio em Gaza”. Não obstante, manifestações pró-Palestina começaram a ocorrer em diversas partes do Brasil. Do outro lado do espectro político brasileiro, influenciadores de direita e apoiadores incondicionais de Israel começaram a tachar os manifestantes como “simpatizantes do terrorismo“, dada a presença de algumas pessoas vestidas com camisas do Hamas, por exemplo. Todo esse contexto serviu apenas para acirrar os ânimos em torno dos acontecimentos em Gaza, outra das muitas questões políticas a causar polarização em praticamente todo o Ocidente. Seja como for, desde outubro o número de vítimas resultante da retaliação israelense já soma mais de 30 mil palestinos, o que causou demasiada comoção internacional.
Durante os primeiros dias do conflito, Lula condenou os ataques do Hamas a Israel e, na sequência, direcionou suas críticas às operações do Exército de Netanyahu em Gaza. Contudo, até recentemente, Lula ainda não tinha feito um discurso que provocasse tamanho alarido nas autoridades israelenses, nem tamanho desconforto, como foi o caso de sua fala realizada no dia 18 de fevereiro em Adis Abeba. Entretanto, tudo o que vem acontecendo em Gaza durante os últimos meses é sim motivo de grande preocupação não só para Lula, como para a comunidade internacional. Há anos os palestinos lutam para (re)conquistar o direito à obtenção de um Estado nacional, e hoje essa possiblidade parece ficar a cada dia mais e mais distante. Lula, ao proferir severos julgamentos contra Israel, não deixou de evidenciar suas preocupações com a questão palestina e com as perdas humanas em Gaza, muito embora suas declarações referentes ao Holocausto tenham sim causado uma ressonância negativa para a diplomacia brasileira.
No mais, acusações de que funcionários de agências da Organização das Nações Unidas (ONU) em Gaza tivessem ajudado o Hamas na deflagração dos ataques de 7 de outubro carecem de melhor investigação, de acordo com o mandatário brasileiro. Diversos países do Ocidente coletivo — apoiadores incondicionais de Israel — decidiram, no entanto, cancelar o financiamento a essas agências, mais uma vez evidenciando as linhas divisórias que hoje separam o Ocidente do chamado Sul Global. Falando em Sul Global, o Brasil se manifestou em apoio a um processo iniciado pela África do Sul junto à Corte Internacional de Justiça que visa julgar as ações de Israel em Gaza, no sentido de enquadrá-las como práticas de genocídio. Em meio a tudo isso, Lula e a liderança do PT vêm participando de uma verdadeira troca de farpas com autoridades de Israel, em uma crise diplomática que parece escalar a cada dia. No Congresso Nacional, desde que voltou ao Brasil de sua viagem pela África, Lula também precisou lidar com um pedido de impeachment levantado pela oposição, a interpretar que as palavras do mandatário brasileiro na Etiópia atravessaram a “linha vermelha”.
Seja como for, seria o caso de dizer que a política internacional do Brasil sofreu um processo de partidarização em função da liderança de Lula no governo? A resposta pode estar na verdade na década de 1990. Afinal, desde o período de Fernando Henrique Cardoso (1995–2002) à frente da Presidência que a diplomacia brasileira tem sofrido maior influência por parte do chefe de Estado. Com isso, cresceram os efeitos e os impactos que o presidente do Brasil exerce sobre as relações exteriores do país. Não à toa, passaram então a ganhar mais importância os discursos e os posicionamentos das lideranças políticas à frente do Estado (seja Fernando Henrique, Lula, Dilma ou Bolsonaro), bem como suas visões de mundo e do papel do Brasil nas relações internacionais. O meio político do qual Lula se origina, assim como o próprio Partido do Trabalhadores e qualquer outro partido, certamente possui percepções próprias sobre os interesses nacionais e sobre como o Brasil deve ser conduzido e se posicionar a respeito desse ou daquele assunto.
Lula, em particular, fez sua carreira política em torno de discursos que enfatizavam as contradições existentes entre os poderes econômicos estabelecidos e os segmentos desprivilegiados da sociedade, em especial os trabalhadores. Para Lula, ao estender esse mesmo raciocínio para o âmbito dos conflitos internacionais, fica claro que o segmento menos favorecido hoje no Oriente Médio são justamente os palestinos quem está em flagrante desvantagem. É natural que as crenças e as formas de interpretar o mundo motivem chefes de Estado a posicionar-se contra ou a favor de determinadas lutas políticas. O que não é natural é esperar que o conflito em Gaza seja avaliado exclusivamente de modo frio e emocionalmente distanciado. Até hoje, nenhum ser humano, nenhum partido político, nem nenhum líder mundial foi capaz de dar esse passo.
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