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‘Marcada por desencontros’: relação entre Brasil e Israel se deteriora após chamadas de embaixadores

Após ter o embaixador em Tel-Aviv repreendido pelo governo de Netanyahu, Lula convocou de volta seu diplomata ao Brasil e chamou Daniel Zonshine, embaixador israelense no país, ao Palácio do Itamaraty para uma reunião. "Princípio da reciprocidade", disse Charles Pennaforte, professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

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Para Charles Pennaforte, que também é coordenador do Laboratório de Geopolítica, Relações Internacionais e Movimentos Antissistêmicos (LabGRIMA), a movimentação diplomática do Brasil mostra o desejo de não se manter na defensiva em relação ao tema. “Analisando de uma maneira mais tranquila, a gente nota que Israel tenta sair na defensiva, já que existe de modo geral uma repulsa internacional pelo o que acontece em Gaza”, afirma Pennaforte.

A atitude do governo de Netanyahu, aponta o especialista, evidencia dois fatos, o primeiro é que “Israel está isolado”. “Até mesmo Joe Biden [presidente dos Estados Unidos] está sendo muito criticado internamente pela atuação de Israel, que contou com apoio total e irrestrito [dos EUA].”

A outra é a força de Lula como “líder do Sul Global”. O presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, fez uma comparação idêntica há alguns meses, “só que o peso da Turquia é regional, a liderança de Erdogan não é a equivalente a de Lula“, afirma.

“E a própria preocupação de Israel em combater essa opinião redemonstra a importância do Lula enquanto liderança internacional.”

Brasil e Israel, um histórico complicado

Segundo Paulo Velasco, cientista político e professor de relações internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), a relação Brasil-Israel é “marcada por desencontros”. Em 2014, por exemplo, Yigal Palmor, porta-voz da chancelaria de Israel, chamou o Brasil de “anão diplomático” após o governo Dilma (2011–2016) apontar o uso desproporcional de força por parte de Israel em um conflito na Faixa de Gaza.

Ainda assim, nenhuma fala presidencial brasileira gerou repercussões tão grandes quanto a feita por Lula no sábado (17). Israel não só declarou o presidente brasileiro persona non grata até que peça desculpas, como chamou o embaixador brasileiro Frederico Meyer para se explicar e o levou a uma visita ao Museu do Holocausto, que documenta os crimes contra a humanidade cometidos pelo regime de Adolf Hitler.

Segundo Velasco, esse ato de reunião com Meyer é um claro sinal de repúdio e censura ao Brasil. “Frederico Meyer vai se limitar a ouvir a repreensão, evidentemente. Não tem muito mais a fazer, não tem autoridade para fazer nada, além de ouvir calado a repreensão.”

Eleições municipais à vista

Velasco aponta que o governo deveria sim se preocupar com os efeitos internos da declaração de Lula, ainda mais diante das manifestações oposicionistas marcadas para o dia 25 de fevereiro. “Os primeiros atos desde o traumático 8 de Janeiro”, lembrou.

Além de afetar suas relações com a comunidade judaica, Lula já tem uma relação difícil com a comunidade evangélica, na qual seus opositores encontram uma base eleitoral muito forte, destacou Velasco.

“Víamos ali atos evangélicos em que a bandeira de Israel, inclusive, era ostentada por manifestantes. É o tal do sionismo evangélico, como alguns chamam.”

Com as eleições municipais à vista, Jair Bolsonaro e seus aliados poderão colher “dividendos” da fala de Lula, afirmou o professor da UERJ. Nesse sentido, a capital paulista, que será palco disputa municipal “mais importante do Brasil”, será onde os maiores efeitos da declaração de Lula serão evidenciados.

“É o tipo de declaração que mexe, sim, com os brilhos de parte do eleitorado, e empresários, inclusive, importantes, ligados ao segmento evangélico no país, além de empresários judeus, que certamente estão repudiando e rechaçando a traumática fala do Lula.”