Desde que Rodrigo Pacheco (PSD-MG) assumiu a presidência do Senado pela primeira vez, em fevereiro de 2021, foram protocolados na Casa 53 pedidos de impeachment contra ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). A maioria das petições (21), de cidadãos comuns ou políticos, condena atitudes praticadas pelo ministro Alexandre de Moraes. Ele será ainda alvo de mais um pedido de impeachment, previsto para ser apresentado em 9 de setembro, como desfecho da campanha liderada pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE) e embalada por recentes revelações de supostos abusos cometidos em inquéritos do STF.
Reportagens da Folha de S. Paulo publicadas nesta semana revelaram trocas de mensagens entre Moraes e colaboradores próximos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e do STF, entre agosto de 2022 e maio de 2023. Elas sugerem que Moraes determinou a um órgão do TSE, que deveria ser independente, a produção de relatórios enviesados para embasar as suas decisões. As mensagens também mostram práticas de pesca probatória, abuso de autoridade, possíveis fraudes de provas e uso do TSE por Moraes para atuar contra adversários políticos, onde o ministro aparece na figura de vítima, acusador e juiz, simultaneamente.
Isso gerou um novo impulso pelo impeachment do ministro. Mas analistas e parlamentares destacam um obstáculo: até agora, todos os pedidos semelhantes envolvendo ministros do STF foram arquivados por Pacheco, com base em pareceres de mérito da Advocacia-Geral do Senado, que deveria apenas avaliar as formalidades. Deputados e senadores, sobretudo da oposição, veem nesse padrão a omissão ou a conivência com possíveis abusos de autoridade, além de desrespeito às prerrogativas constitucionais do Senado, única instituição capaz de exercer controle externo de juízes de tribunais superiores.
Os motivos alegados por Pacheco para barrar os pedidos de impeachment incluem desde a falta de “justa causa” ou fundamentos legais suficientes que justifiquem a abertura de um processo contra os ministros até o esforço para “preservar a independência e harmonia entre os poderes”. Ele argumentou que afastar juízes com base em divergências ideológicas poderia comprometer a estabilidade institucional e política do país ou gerar insegurança jurídica para enfrentar desafios sociais e econômicos.
Pacheco cogitou vaga no STF, governo de Minas e ministério de Lula
Na prática, Pacheco vem optando por manter boas relações tanto com o Executivo quanto com o Judiciário. Seu comportamento, alegam críticos, sempre mirou alvos estratégicos para quando ele deixar a presidência do Senado, em fevereiro de 2025. Pacheco se posicionou como candidato a uma das duas vagas abertas no STF no atual governo, mas acabou não sendo escolhido pelo presidente da República. Na sequência, articulou a sua candidatura ao governo de Minas Gerais nas eleições de 2026, numa possível futura aliança com o PT.
Há especulações ainda de que o senador poderia integrar o ministério de Lula em 2025. Tais movimentos ainda seguem incertos diante das constantes mudanças de cenários. De toda forma, Pacheco, como presidente do Senado, segue empenhado na aprovação de pautas de interesse do Judiciário. O maior exemplo disso é o projeto de reajuste automático adicional de 5% dos salários de juízes a cada cinco anos, os quinquênios.
Mas essas parcerias com os outros poderes vêm sofrendo abalos em razão da necessidade de Pacheco defender competências do Congresso contra extrapolações dos demais poderes. Nesse sentido, ele devolveu integral ou parcialmente duas medidas provisórias do Executivo que tratavam de aumento de impostos no início do ano. O presidente do Senado também assumiu a dianteira para a renegociação das dívidas dos estados com a União com um projeto de lei complementar, o que criou tensões com o Ministério da Fazenda, preocupado com o impacto fiscal da medida.
Para fazer frente às cobranças de senadores oposicionistas e independentes e até para resguardar competências do Senado, Pacheco vem levando adiante propostas que soam como reação ao ativismo judicial, com destaque para o projeto que limita as decisões monocráticas do STF, aprovado em novembro e sob análise da Câmara. A proposta de emenda constitucional (PEC) proíbe os ministros de suspenderem unilateralmente leis ou ações do Executivo e Legislativo, exigindo que tais decisões sejam tomadas pelo colegiado dos 11 membros da Corte.
Outras iniciativas no Senado visam estabelecer mandato fixo para os ministros do STF, em vez do modelo atual em que eles servem até a aposentadoria compulsória aos 75 anos, e mudanças no processo de nomeação deles. Essas medidas refletem um movimento do Legislativo para tentar equilibrar os poderes, especialmente em resposta a decisões recentes do STF que causaram atritos com o Congresso. Elas estão em diferentes estágios de tramitação e enfrentam desafios para serem aprovadas, mas indicam uma clara insatisfação com excesso de interferências.
Negativa de Pacheco também revela cautela da maioria, diz especialista
Para o cientista político Leandro Gabiati, diretor da Dominium Consultoria, não se pode atribuir a atuação de Pacheco no episódio envolvendo Alexandre de Moraes apenas a um desejo pessoal, embora reconheça que interesses do senador também sejam considerados.
“Ele tenta refletir a posição da maioria dos 81 senadores. Sua busca por uma função institucional se baseia na análise dos prós e contras de qualquer situação que precise enfrentar como líder de um poder. Neste momento, ele está em diálogo com líderes partidários e outras figuras importantes, avaliando diferentes posições e percebendo que não há apoio suficiente para avançar com iniciativas como uma CPI ou impeachment”, salientou.
Na avaliação do professor, o episódio divulgado pela imprensa envolvendo Moraes causa um desgaste imediato e significativo à imagem do ministro e, indiretamente, à reputação do STF. Ainda assim, o especialista acredita que os outros 10 membros da Suprema Corte continuarão a apoiar Moraes, sem chance de divisões internas. Por outro lado, no Congresso, especialmente no Senado, que é responsável pela confirmação e possível afastamento de ministros, as pressões são maiores.
“O caso de Moraes deve ter maior impacto entre os senadores. No entanto, ainda não vejo viabilidade para a instalação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) ou a aceitação de um pedido de impeachment, apesar das articulações já iniciadas”, afirmou.
Gabiati ressalta, contudo, que a chance de uma reação do Congresso, liderada pela oposição, se ampliaria se informações mais contundentes forem reveladas sobre a atuação do ministro no TSE e STF, no sentido de favorecer um lado na eleição presidencial de 2022. Por enquanto, prevalece o tom de cautela, como se verifica nas poucas manifestações públicas de senadores sobre a questão.
Ataque do STF a emendas pode mudar cálculos para as eleições no Senado e na Câmara
O cientista político Leonardo Barreto, diretor da consultoria I3P, avalia que a pressão pelo impeachment de Moraes esbarra em um contexto mais amplo de crescente tensão entre os poderes Legislativo e Judiciário. Ele destaca que a questão central, que interfere na sucessão dos atuais presidentes da Câmara e do Senado, está relacionada às decisões do ministro Flávio Dino, do STF, de bloquear verbas do Orçamento da União para deputados e senadores.
“Já havia uma sensação de que algo estava para acontecer, mas poucos esperavam que Dino adotasse uma postura tão radical ao suspender as emendas impositivas, o que desestabiliza tudo”, afirmou.
Segundo Barreto, sem as emendas impositivas, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, perde grande parte do controle sobre a sua base, tornando sua sucessão incerta. A mesma situação vale para Davi Alcolumbre e Rodrigo Pacheco, que têm sido aliados importantes do governo, inclusive facilitando a aprovação de Dino para o STF.
“Eles serão cobrados por seus pares”, aposta o especialista, acrescentando que a única saída para os presidentes das duas Casas e líderes partidários é retaliar. “O jogo sucessório foi duramente impactado. Turbulência à vista”, alertou.
Não por acaso, Pacheco e Lira aproveitaram um encontro social na noite de quarta-feira (14) em Brasília para uma conversa reservada, onde, segundo informações de bastidores, discutiram formas de preservar as prerrogativas dos parlamentares diante do avanço dos magistrados.
Pacheco tem conexões com o mundo jurídico e pode voltar à advocacia
Pacheco está no seu segundo mandato à frente do Senado. Em 2021, ele foi eleito pelos colegas com o apoio de uma ampla coalizão de partidos, sucedendo Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Já em 2023, a sua reeleição exigiu compromissos para conter o ativismo judicial. Agora, a mesma pressão se repete em sua sucessão, com a virtual volta de Alcolumbre em 2025.
Formado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), Pacheco construiu carreira de destaque na advocacia. Ele é especializado em Direito Penal e tem ampla experiência em casos criminais de grande relevância. Antes de ingressar na política, atuou em casos de alta complexidade e ganhou reconhecimento no meio jurídico.
O senador já foi conselheiro da seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) e ainda tem importante base de apoio dentro da categoria. Como presidente da Comissão de Direito Penal da OAB Nacional, Pacheco se tornou voz influente no meio jurídico.
Caso não dispute nenhum cargo político nem ganhe um ministério de Lula, após o término de seu mandato parlamentar, a hipótese mais provável é que volte a exercer sua profissão.