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Neonazistas no Brasil: por que o país não consegue conter o crescimento do extremismo?

Por que há um crescimento de grupos neonazistas no Brasil? E por que é tão difícil interromper a expansão dessas organizações?

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Noventa anos após a ascensão de Adolf Hitler na Alemanha, os ideais nazistas, hoje chamados de neonazismo, parecem ter sido reciclados nas últimas décadas, na esteira da erosão das democracias ocidentais. O crescimento da extrema-direita, inclusive, faz parte dos sinais de alerta reportados por diversos analistas políticos.

O caso do Brasil, como atestam pesquisas sobre o tema, mostra um país que também convive com o crescimento vertiginoso de grupos de extrema-direita e células neonazistas, principalmente em razão do alcance das plataformas tecnológicas.

Muitos grupos extremistas notoriamente usam as redes sociais para desinformar, criar teorias conspiratórias e, ao mesmo tempo, unir pessoas que compartilham das mesmas ideias. E se isso já é um problema nas redes, muitas vezes acaba virando um problema nas ruas.

Homem com tatuagens nazistas é levado para delegacia, mas liberado

A imprensa noticiou, no último sábado (28), o caso de um homem com tatuagens de símbolos nazistas que foi liberado logo após ser conduzido a delegacia no Rio de Janeiro (RJ), com aval do inspetor que estava de plantão.

O uso desses símbolos é crime, de acordo com a Lei nº 9.459/97, que versa sobre a apologia ao nazismo. Portanto, conforme relatou à Sputnik Brasil o advogado e procurador da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Rodrigo Mondego, o inspetor da polícia não cumpriu o seu dever.

Na delegacia, o inspetor responsável pelo registro da ocorrência teria chegado a pedir desculpas ao homem tatuado. Para Mondego, o funcionário da polícia agiu “como militante na função de servidor público na área de segurança pública”.

“Infelizmente a ultradireita está entranhada no Estado, e isso faz com que alguns servidores, que deveriam ter o dever de combater, prevariquem, principalmente pela sua própria ideologia”, afirmou.

O advogado apontou que a apologia do nazismo é um “crime sério no Brasil”, com pena de dois a cinco anos de reclusão. Ainda de acordo com ele, as denúncias envolvendo casos semelhantes devem ser levadas à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi), que deverá conduzir as investigações.

Neonazistas brasileiros sob o anonimato das redes

Em uma reportagem publicada em julho de 2022, a Sputnik Brasil investigou quem são os neonazistas brasileiros a partir de importantes questionamentos: onde estão? O que planejam? E por que estão crescendo?

Afinal, apesar da lei, ainda é possível encontrar no país adeptos dos ideais nazistas, genocidas e racistas de Adolf Hitler e dos diversos movimentos de extrema-direita.

Os neonazistas brasileiros, como atesta a investigação, apresentam suas páginas e publicações nas redes sociais sem nenhum pudor. Seu objetivo é recrutar seguidores e promover uma fagulha em um palheiro. Se uma página é derrubada, em seguida aparecem outras.

As publicações apresentam discursos de Hitler, memes antissemitas, ataques à Rússia e ao presidente Vladimir Putin, ódio aos comunistas e, claro, teorias da conspiração.

Distorções de fatos e conceitos são frequentes. O termo “liberdade”, por exemplo, ora é reduzido a “liberdade de mercado”, supostamente ameaçada pelas políticas públicas de um Estado visto como controlador, ora é defendido como um suposto direito a qualquer tipo de manifestação, inclusive de incentivo ao ódio.

Ao mesmo tempo essa “liberdade” é colocada em oposição a “igualdade”, que, enquanto um ideal de esquerda, revelaria uma ameaça. E, para recuperar uma suposta identidade nacional degradada ao longo das décadas, alguns clamam por ditaduras e rupturas imediatas com a ordem institucional.

Nazistas no Brasil: o que explica?

Enquanto as plataformas de tecnologia servem como um catalisador de novas lideranças neonazistas e extremistas, as sociedades enfrentam o desafio de tentar conter o avanço dos discursos de ódio nas redes.

Para Mayra Goulart, cientista política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o combate ao nazismo moderno passa pela compreensão de que “o principal choque das sociedades ocidentais do século XXI ocorrerá entre a democracia liberal e o capitalismo neoliberal”.

Ela explica que “há um antagonismo entre democracia, capitalismo e liberalismo que foi exposto com o processo de digitalização das relações humanas e de trabalho”.

Ao tratar das relações sociais, a analista entende que as mídias sociais criaram um terreno para exclusão dos mecanismos que antes impediam que certos pensamentos, como o nazismo, fossem declarados publicamente.

As mudanças impostas pelo capitalismo neoliberal deixaram em sua esteira uma multidão de desempregados e de pessoas sem muitas perspectivas. De acordo com a especialista, são esses os perdedores do processo de globalização, que seriam mais visados por defensores de ideias extremistas.

Isso pode explicar a crescente “posição anti-humanista que anda de mãos dadas com um desprezo geral pela democracia”, disse ela.

O processo de automação do mercado de trabalho, que chegou ao século XXI com a digitalização de muitas formas de emprego, atesta “uma sociedade em que o trabalho se tornou mais individual do que coletivo”, tornando “as pessoas e o trabalhador mais vulneráveis“.

E é nessa conjuntura que ganharia força o discurso de que há um “passado que precisa ser retomado” e de que “tudo que é progressista, no sentido de novo, representa uma ameaça“.

Ainda segundo Goulart, a extrema-direita cresce, entre muitas razões, em um contexto neoliberal de exclusão, social e econômica, de milhares de pessoas.

O que não tem sido feito?

Ao reunir e organizar os extremos, são as redes sociais que permitem, como aponta o advogado Rodrigo Mondego, que um adolescente “ganhe simpatizantes em todo o país por ser um supremacista branco, por exemplo”.

Desse modo, a indústria das mídias digitais, em grande parte não regulamentada, dominou a forma como bilhões de pessoas consomem informações.

No entendimento de Mayra Goulart, “gigantes da tecnologia se tornaram aproveitadoras” das recentes crises políticas que atingem as democracias e têm responsabilidade pelo crescimento de grupos extremistas. Ainda assim, conforme explicou Rodrigo Mondego, “o Ministério Público e a Polícia Federal não agem com rigor para enfrentar os criminosos”.

“A Internet agiu de forma a encurtar espaços e aumentar as relações interpessoais. Um adolescente, por exemplo, ganha simpatizantes em todo o país por fazer comentários racistas em células extremistas. Elas são organizadas livremente e muitas vezes se escondem em grupos de supremacistas brancos, para disfarçar o nazismo declarado”, disse ele.

O advogado lembrou que o risco do crescimento de células nazistas no Brasil já ficou explícito em diferentes ataques pelo país, como no atentado em uma escola em Suzano, no interior de São Paulo, em 2019 e nos ataques em escolas no Espírito Santo no ano passado, quando um adolescente matou quatro pessoas.