A Comissão de Direitos Humanos da Nigéria está investigando as acusações de que as Forças Armadas do país teriam promovido um programa secreto de aborto em massa entre mulheres que eram prisioneiras e foram libertadas do grupo extremista Boko Haram. Os militares nigerianos negam as denúncias.
Desde fevereiro, um painel especial da comissão realiza audiências públicas no âmbito das investigações. Supostamente executado pelo exército nigeriano, o programa secreto de aborto em massa seria parte da luta contra o grupo terrorista no nordeste do país.
Uma reportagem investigativa divulgada em dezembro do ano passado acusou os militares de supervisionarem aproximadamente 10 mil abortos em mulheres e meninas que foram sequestradas e estupradas por militantes islâmicos.
“Estamos tendo sucesso agora e muitos não estão felizes como isso, eles não podem reverter nosso sucesso, por essa razão, eles o destroem”, afirmou o chefe do Estado-maior da Nigéria, o tenente-general Farouk Yahaya, durante o seu depoimento para o painel. “Não somos os terroristas do Boko Haram, somos treinados para sermos profissionais e o treinamento é contínuo”, acrescentou.
Yahaya negou que abortos secretos, que teriam sido realizados quando as mulheres resgatadas do Boko Haram estavam em campos de refugiados, tenham ocorrido.
Militares negam violações
Segundo a reportagem da agência de notícias Reuters, os supostos abortos teriam sido realizados sem o consentimento das mulheres entre 2013 e 2022.
À DW, o general Tukur Yusuf Buratai, ex-chefe do Estado-maior que serviu entre 2015 e 2021, afirmou duvidar da existência do suposto programa secreto. “Nunca ouvi falar disso e não houve denúncias quando eu estava lá”, ressalta.
De acordo com Buratai, o exército tem procedimentos especiais para cuidar das grávidas. “Temos instalações onde mulheres são mantidas, incluindo grávidas e todas podem dar à luz normalmente. O comandante sempre paga todas as despesas médicas e organiza cerimônias de designação de nomes para os bebês”, conta.
Apesar da refutação militar, ativistas de direitos humanos suspeitam das alegações e exigiram uma investigação minuciosa das acusações. Segundo Udeme Edoemaowo, da Fundação Rede Contra a Violência Doméstica, grupos da sociedade civil cogitam realizar investigações próprias.
A Comissão de Direitos Humanos da Nigéria afirmou que está empenhada em realizar um inquérito minucioso. “A determinação é investigar a denúncia”, disse à DW o secretário-executivo do organismo, Tony Ojukwu. Ele saudou ainda a cooperação das agências do governo e de militares.
Edoemaowo disse, que apesar deste inquérito, sua coalizão de grupos da sociedade civil também deseja fazer uma investigação paralela.
Desvio de atenção
Para Andy Parah, um advogado nigeriano baseado em Abuja, os militares devem ser transparentes e evitar qualquer tentativa de acobertar o caso. Mas, na sua avaliação, as acusações podem desviar a atenção da luta em andamento contra o Boko Haram.
“Não vejo como interromper a gravidez de vítimas de estupro por homens do Boko Haram resolverá os problemas da população local”, destaca Parah. “Eles têm problemas maiores, de reassentamento, suas casas e seus meios de subsistência foram destruídos. Isso é um problema muito maior do que a questão do aborto. Isso é uma tentativa de desviar a atenção da batalha principal.”
O general Buratai considera as acusações uma “estratégia ou campanha subversiva contra a Nigéria e, até mesmo, contra a África”, mas não apresentou provas de suas alegações.
Grupos de direitos humanos pedem que o relatório final da investigação seja tornado público. A Comissão de Direitos Humanos da Nigéria garantiu que isso será feito de acordo com os princípios do processo equitativo.