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Nova crise econômica nos EUA pode abalar a economia global como a crise de 2008?

Em uma semana, os EUA testemunharam a quebra do segundo banco desde a crise de 2008 que afetou a economia global. Para compreender o que nos aguarda e se precisamos nos preocupar mais uma vez.

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A crise financeira de 2008 deixou cicatrizes na economia mundial e em especial na vida do cidadão norte-americano que tinha investimentos em bancos considerados sólidos até aquele momento. Da noite para o dia, a relação de equilíbrio que deveria haver entre crédito e dívida se tornou insustentável causando um efeito dominó, afetando diversos bancos que já não tinham capacidade de liquidar dívidas e sustentar os fundos de investimentos.

Agora, em apenas uma semana, em um contexto de crise política e energética na Europa, quando a economia global começava a ensaiar um reaquecimento — graças ao arrefecimento do combate à pandemia de COVID-19 que afetou profundamente as cadeias de produção — dois importantes bancos nos EUA acabam de quebrar, tirando o sono da secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen.

Para entender melhor se podemos esperar por uma crise do tamanho da de 2008, a Sputnik ouviu a opinião do professor honorário de economia na Universidade College London e autor de Debunking Economics (Desmistificando a Economia) e The New Economics (A Nova Economia), Steve Keen, e do professor de macroeconomia e economia monetária na Universidade de Friburgo, na Suíça, Sergio Rossi.

2008 tudo de novo?

De acordo com o professor Keen, a crise de 2008 foi causada pelo estouro de uma bolha de crédito quando este atingiu seu pico de 15%, em relação ao produto interno bruto (PIB) dos EUA, caindo para menos de 5% em seguida. O que acabou afetando o mercado financeiro foi justamente o reflexo dessa dívida privada excessiva.

“A ressaca da dívida privada excessiva ainda está conosco porque a Reserva Federal [o Fed] — e outros bancos centrais ao redor do mundo — é composta por economistas tradicionais que, surpreendentemente, não entendem o papel do crédito na macroeconomia e, portanto, não fizeram nada para reduzir o nível de dívida privada”, afirmou Keen.

Entretanto, para o especialista, apesar do risco de recessão ser bastante elevado já que as taxas de juros operadas pelo Fed serem consideradas muito altas (se em comparação com os últimos 15 anos) fazendo do serviço da dívida muito caro, o que poderia inclusive tornar o crédito negativo, ainda não se compara à crise de 2008.

Para o professor Rossi, existem quatro semelhanças importantes para nos preocupar com o quadro recessivo. A primeira delas é que os bancos com problemas estão sujeitos a uma corrida pelo saque dos recursos de seus depositantes. A segunda, é que o problema afeta os bancos credores que procuram ser reembolsados pelos bancos devedores, gerando o efeito dominó. A terceira semelhança, é que há um efeito de contágio nos mercados financeiros, local e global, o que amplia a margem da crise. A quarta diz respeito à política monetária dos Estados Unidos, ou seja, juros altos com baixa liquidez.

O professor diz que uma recessão nos EUA é provável, e que deve afetar a economia global “tanto no que diz respeito aos gargalos na cadeia de suprimentos quanto às pressões inflacionárias que vêm reduzindo as perspectivas de crescimento real e de emprego a níveis mundiais”.

De quem é a culpa?

O atual reflexo das políticas econômicas dos EUA é o aumento das taxas de juros. Para Keen, inflar os preços dos ativos por meio da flexibilização quantitativa via Fed, é ignorância diante do comportamento tradicional do mercado.

“Agora que estão tentando controlar a inflação com taxas de juros, estão fazendo com que o valor das ações e dos títulos caiam, e essa é a causa próxima da crise. Inflar os preços dos ativos foi o efeito colateral de uma má ideia”. O especialista destacou ainda que “a menos que eles façam algo para reduzir os preços dos ativos e reduzir a dívida privada, permaneceremos nesta situação”.

Para Rossi, no entanto, a administração Biden se viu forçada a fornecer um plano de resgate, mas não teve muita ingerência sobre a situação que acabou sendo fruto de uma conjuntura, especialmente quando considerada à enorme dívida pública norte-americana, mas salientou que a política do Fed não está no rumo certo.

“[Isso] afeta tanto os Estados Unidos quanto a economia global, especialmente porque as taxas de juros dos EUA mostram uma tendência de aumento como resultado da estratégia política errada do Fed para conter inflação, como se esta fosse resultado de uma demanda excessiva no mercado de bens e serviços produzidos”, disse.

Reação do mercado

Após o discurso de Biden, nesta segunda-feira (13), que buscou tranquilizar os investidores sugerindo que o governo deve criar um fundo para garantir os recursos sem perdas para clientes, e apesar da desvalorização do dólar, o professor Rossi afirmou que é preciso que a velocidade de socorro ao sistema financeiro seja ainda maior que o efeito dominó no mercado.

“Este é um problema para todo o setor bancário e, além dele, para os mercados financeiros, tanto nos Estados Unidos quanto na economia global, principalmente em um momento em que os criptoativos representam também uma bomba-relógio”, ressaltou.

Rossi ainda chamou a atenção para os criptoativos, empresas de tecnologia e empresas apoiadas por capital de risco que podem acabar respondendo de forma ainda mais rápida à recessão.

Para Keen, quando uma contraparte falha, seus passivos não são cumpridos e esses passivos são ativos de outras instituições financeiras. Para ele, o Fed vai ser forçado a se concentrar em sustentar os preços dos ativos e esquecer por um tempo o combate à inflação dos preços ao consumidor.

“Eu só levaria o discurso a sério se Biden abordasse o que chamo de ‘Complexo Político-Financeiro’ da mesma forma que seu antigo predecessor, o general Dwight D. Eisenhower, abordou o que chamou de ‘Complexo Industrial Militar'”, destacou o professor.