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O que esperar da visita de Lula à China?

Com a perspectiva em torno da visita do presidente brasileiro Lula à China ainda no mês de março, muito se tem especulado acerca de quais assuntos serão tratados no âmbito desse esperado encontro bilateral.

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Trata-se do reencontro de Lula com o país que desempenhou papel fundamental durante seus dois primeiros mandatos no governo entre os anos de 2003 e 2010. Por conseguinte, a chave para entendermos sobre quais temas poderão fazer parte da agenda brasileira nessa reunião bilateral reside justamente no passado recente das relações Brasil-China.

Ao longo dos anos 2000, a China demonstrou interesse por relações com a América Latina pautadas em uma cooperação mutuamente benéfica e na promoção do desenvolvimento comum da região. Com isto, a América Latina tornou-se o segundo maior destino para investimentos estrangeiros de Pequim, hospedando mais de 2.500 empresas de capital chinês.

Diante desse contexto, o estabelecimento de relações mais próximas com o Brasil (maior país da América Latina em termos econômicos, populacionais e territoriais) tornou-se ponto fundamental para a política externa chinesa durante as últimas décadas.

Do lado brasileiro, e sobretudo durante a era Lula, a aproximação com a China representou um importante vetor de diversificação para as relações internacionais do país, diminuindo então sua dependência dos Estados Unidos e da União Europeia e colocando o Brasil em contato com uma das economias que mais crescia no mundo. Tudo isso em meio a uma conjuntura de mudança do “centro de gravidade” da economia global, que migrava dos países ocidentais para o leste asiático.

Aproveitando-se desse movimento, durante o governo Lula o Brasil tornou-se um dos principais fornecedores de commodities para o mercado chinês, fornecendo alguns dos insumos fundamentais – sobretudo minério de ferro e petróleo – para o crescimento econômico da China nos anos 2000.

Por ser rico em recursos naturais, dada sua inserção econômica internacional historicamente pautada pelo fornecimento de matérias-primas a centros mais desenvolvidos, o Brasil aproveitou seu comércio com a China para manter altos índices de superávit em sua balança comercial. Este foi um fator importante durante os dois primeiros mandatos de Lula, em que o Brasil cresceu em média cerca de 4% ao ano.

Não obstante, a diversificação das parcerias do Brasil com outros centros de poder emergentes (como China e Índia) tornou-se uma das marcas do universalismo da política externa no período Lula. Ademais, as relações sino-brasileiras também foram pautadas pela atração de investimentos estrangeiros chineses ao Brasil, tema que certamente deverá estar presente na reunião de Lula com Xi Jinping.

Cabe notar que a China é hoje o segundo maior investidor estrangeiro do mundo (atrás apenas dos Estados Unidos) e o Brasil seu maior recipiente na América Latina. O encontro entre os líderes também deverá servir como forma de renovar a diplomacia presidencial brasileira frente à China, amenizando algumas das impressões causadas durante a administração anterior de Jair Bolsonaro, inicialmente marcada por episódios de estranhamento entre os dois países.

Outra questão a ser tratada pode ter relação com a indicação da ex-presidente brasileira Dilma Rousseff ao cargo de chefia do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do BRICS sediado em Xangai, na China, assim como planos para o futuro desenvolvimento das atividades da instituição.

Aqui, vale ressaltar que foi justamente na Cúpula do BRICS de 2014 em Fortaleza, sob a presidência de Dilma Rousseff, que a criação do NBD foi anunciada.

À época, já estava mais do que claro que a velha ordem do pós-guerra liderada pelos EUA e seus parceiros ocidentais dava lugar a uma configuração de poder multipolar no sistema internacional, propiciando o terreno para a consolidação de novas coalizões políticas como o BRICS, assim como para a criação de novas instituições de governança financeira multilateral, como no caso do NBD.

Ainda em se tratando do BRICS, deverão ser discutidos cenários futuros quanto ao conflito na Ucrânia. Nesse quesito, muito embora o Brasil tenha votado na ONU a favor de resoluções condenatórias às ações da Rússia no país vizinho, o presidente Lula deixou bem claro que pretende participar de forma ativa de discussões para um acordo de paz, resistindo à pressão alemã e americana para o envio de armas a Kiev.

Pouco tempo depois, a China também elaborou algumas propostas para a solução pacífica da crise, indicando que tanto brasileiros quanto chineses se interessam pelo fim das hostilidades e não pela sua continuação, como é o caso dos países ocidentais.

É bem provável que Brasil e China conversem, portanto, sobre entendimentos comuns acerca de um acordo de paz e que essa posição sino-brasileira seja discutida adiante não somente no âmbito de reuniões dentro do BRICS, como também em futuros encontros bilaterais de Lula e Xi Jinping com Vladimir Putin.

Por certo, não se pode negar o peso que uma declaração conjunta entre Brasil e China teria no sentido de incentivar outros países a se unirem na discussão por uma resolução justa para o caso envolvendo o conflito na Ucrânia, assim como também para outras questões relevantes da agenda internacional.

Ora, a julgar por sua experiência histórica, China e Brasil compartilham amplos interesses comuns e objetivos semelhantes, tais como: a “democratização” das relações internacionais, a promoção de um desenvolvimento mais equitativo da economia global e o enfoque em avanços sociais de suas sociedades. Todos esses temas são de fundamental importância para o desenvolvimento de um mundo mais justo, sobretudo para os países que compõem o assim chamado Sul Global.

Por fim, durante a primeira passagem de Lula pela presidência foi notório que a cooperação sino-brasileira evoluiu não somente em termos de seu comércio bilateral, mas também no âmbito do BRICS.

É de se esperar, portanto, que além de pautas mais restritas referentes ao aumento do comércio mútuo ou da ampliação de investimentos chineses no Brasil, questões de importância global como o futuro desenvolvimento do NBD e cenários para a resolução do conflito na Ucrânia devam estar presentes na reunião.

No mais, é preciso destacar que as relações entre Brasil e China têm um papel fundamental a desempenhar na configuração de um sistema internacional não ocidental e multipolar.

Logo, firmar compromissos para aumentar a influência de ambos os países em organismos internacionais, bem como sua cooperação em fóruns multilaterais como o BRICS e o G20, também será muito bem-vindo no âmbito desse reencontro de Lula com a China.