Quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegar a Washington nesta sexta-feira (10/02), será o auge provisório de uma série de encontros internacionais sinalizando que o Brasil está de volta ao palco global. Jair Bolsonaro levou o país ao isolamento internacional, e Lula está agora sob pressão para mudar esse cenário, tanto do ponto de vista econômico quanto político.
É provável que as conversas entre Lula e seu homólogo americano, Joe Biden, se concentrem primeiramente na guerra na Ucrânia e nas tensões entre EUA e China. Em ambos os casos, o Brasil não ficou do lado do Ocidente, mas adotou uma posição de neutralidade.
Guilherme Casarões, professor de Relações Internacionais da FGV, descreve essa postura como “equidistante” e destaca que é tradição da diplomacia brasileira manter o país neutro em relação aos blocos de poder.
“Brasília é guiada por uma visão universalista na política externa, de manter boas relações com o mundo inteiro e posicionar-se como um potencial mediador de conflito”, diz Casarões, apontando que essa linha pragmática está agora sendo adotada por Lula novamente, após uma interrupção sob Bolsonaro.
“País de paz”
Isso explicaria por que Lula classificou a guerra de Putin de “erro clássico” e, ao mesmo tempo, negou o fornecimento de munição para os tanques Leopard 1 à Ucrânia, como solicitado pelo chanceler federal alemão, Olaf Scholz. O brasileiro justificou seu veto, afirmando que o Brasil é “um país de paz”, que travou sua última guerra em 1865, contra o Paraguai. Mas é provável que questões econômicas também estejam por trás da decisão de Lula: para garantir sua existência, o agronegócio brasileiro depende de fertilizantes provenientes da Rússia e de Belarus.
Num mundo multipolar, Lula, ao que tudo indica, vê o Brasil como representante do Sul global, que fica de fora dos conflitos entre os blocos de poder do Hemisfério Norte porque não tem nada a ganhar com isso. E Washington parece ter entendido.
“Os Estados Unidos não estão torcendo o braço de ninguém. No final, cada país tem que decidir o que pensa ser certo. Cada país tem suas próprias necessidades de segurança, e nós respeitamos isso”, afirmou à DW John Kirby, coordenador de comunicações estratégicas do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca.
Parceria com a China
A China, adversária geopolítica dos EUA, é o maior parceiro comercial do Brasil, e isso não pode ser subestimado, aponta o cientista político Carlos Melo, do Insper. “A balança comercial com a China é claramente favorável ao Brasil”, destaca.
O Brasil exporta enormes quantidades de soja, carne e minério de ferro para o parceiro asiático, enquanto Pequim financia projetos de infraestrutura no país. A importância da cooperação é sublinhada pelo fato de que o banco central da China está agora buscando uma assim chamada “compensação” para o yuan no Brasil, que deve facilitar as transações transfronteiriças, assim como promover investimentos.
É, portanto, de vital interesse para Brasília ter relações tão boas com Pequim quanto com Washington, diz Melo. Lula viajará à China em março, onde se reunirá com o presidente Xi Jinping. Se dependesse de Lula, o país asiático desempenharia, ao lado do Brasil, um papel importante na iniciativa internacional de paz para a Ucrânia que o brasileiro sugeriu.
“Lula é simpático a propostas ambiciosas de política externa. Ele está convencido de que é um grande conciliador, o que pode ser explicado por sua trajetória como sindicalista”, afirma Casarões. Para o especialista, no entanto, o petista superestima suas próprias habilidades diplomáticas.
Pressão pelo Conselho de Segurança
Com Joe Biden, é possível que Lula discuta também sobre a reivindicação do Brasil por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Há anos, assim como a Alemanha, Japão e Índia, o país busca essa vaga. Segundo Lula, isso se justifica pelo tamanho e poder econômico brasileiro – o Conselho, porém, já não representa mais a realidade geopolítica. O jornalista Thomas Traumann, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), acredita que o presidente brasileiro colocará a Amazônia na mesa de negociações com Washington e Bruxelas.
A destruição de um ecossistema tão importante para a estabilidade climática global alienou o governo Bolsonaro da Europa e dos Estados Unidos. Lula, por outro lado, deixou claro que proteger a Floresta Amazônica será uma prioridade em seu governo. “Lula reconheceu a chance que a Amazônia representa para o Brasil”, diz Traumann.
A ambição do Brasil de tornar-se mais importante na política externa é enfatizada pela intenção de Brasília de integrar a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Traumann, especializado na cobertura do Partido dos Trabalhadores (PT), destaca que isso é significativo, porque certas facções petistas sempre foram contra a associação a esse clube de países desenvolvidos: “O clima mudou depois que o Ministro da Economia, Fernando Haddad, se reuniu com o Secretário Geral da OCDE, Mathias Cormann, no Fórum Econômico Mundial, em Davos.”
Liderança na América Latina
Antes de visar ambições globais, no entanto, Lula deve restabelecer a pretensão de liderança na América Latina. Em janeiro, ele viajou a Buenos Aires para se reunir com membros da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que Bolsonaro havia abandonado há dois anos. Na ocasião, encontrou-se com os presidentes de Argentina e Uruguai.
“O objetivo era reforçar o papel de liderança regional do Brasil”, diz Casarões. E essa é a base para o engajamento político global do país.
Nesse contexto, um fator que pode ser decisivo é se Lula obterá sucesso em impedir que o Uruguai deixe a aliança sul-americana de livre comércio Mercosul e conclua um acordo comercial bilateral com a China. A chave para isso está em outro acordo de livre comércio: entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, que Lula deseja concluir o mais rápido possível, com alguns ajustes.
“O acordo UE-Mercosul é uma prioridade para Lula. Não apenas por razões econômicas, mas também porque traz prestígio internacional”, afirma Melo.
No fim das contas, segundo Casarões, o compromisso de Lula com a política externa também está ligado à herança de um legado político: “Lula governa uma sociedade profundamente polarizada, e será difícil, exceto na luta contra a fome, deixar um grande legado doméstico. Ele buscará isso na política externa.”