Search

‘Possibilidade de criminalização do bolsonarismo’: quais as consequências dos atos de Brasília?

Compartilhe nas redes sociais

Especialistas avaliam momento turbulento da política brasileira, defendem justa punição a movimentos golpistas e apontam caminhos para a oposição trilhar dentro do jogo democrático.

Os atos de vandalismo promovidos por grupos bolsonaristas no último domingo (8) em Brasília assustaram o mundo político brasileiro e atraíram holofotes internacionais para o país.

Milhares de pessoas contrárias ao novo governo invadiram — sem resistência — o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal (STF) e depredaram prédios e destruíram objetos valiosos, como esculturas e obras de arte.

Na quarta-feira (11), a Polícia Federal (PF) terminou a tomada de depoimento dos envolvidos nos ataques. Ao todo, 1.398 foram presos e encaminhados para o Complexo Penitenciário da Papuda e para a Colmeia, no caso das mulheres. Além disso, os financiadores dos atos e outros possíveis atores envolvidos nos ataques estão sendo investigados pelas autoridades.

No 191º episódio do podcast Jabuticaba Sem Caroço, da Sputnik Brasil, as jornalistas Bárbara Pereira e Francini Augusto entrevistaram o advogado e especialista em direito constitucional Antonio Carlos de Freitas Júnior, doutorando em direito constitucional pela Universidade de São Paulo (USP), e o cientista político Paulo Ramirez, professor de sociologia da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), que analisaram as consequências do movimento golpista sobre o cenário político e a democracia brasileira.

“Isso vai muito além do governo Lula. Pode fazer oposição, criar observatório da oposição, moções de repúdios, criticar… Agora, ‘eu não gosto’ da decisão do Tribunal de Justiça do Paraná ou do Rio de Janeiro, então vou lá e destruo o tribunal? Isso vira sistêmico, corrói, não somente o governo X ou Y, mas a própria confiança na instituição”, afirmou Antonio Carlos de Freitas Júnior.

O especialista em direito constitucional lembra que na democracia são livres quaisquer manifestações do pensamento político e de opiniões, mas “quebra-quebra” e invasão do espaço público não são permitidas em lei.

Ele aponta que os artigos 359-L e 359-N do Código Penal brasileiro são expressos em determinar punição contra “atitudes golpistas” e atentados ao Estado democrático de direito, com prisão em flagrante e por mandado judicial.

O crime poderá ser punido a partir de quatro anos de prisão, por “atos de golpe de Estado e violência aos poderes constituídos da República“, indica.

Quanto ao governador afastado do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e às autoridades brasilienses, Freitas Júnior afirma que “houve, se não dolo, […] culpa por negligência de não usar o aparato policial necessário, de não tomar os devidos cuidados”.

Segundo ele, qualquer servidor público que deixa de exercer seu dever de ofício “incorre no crime de prevaricação“.

“É importante que sejam punidos, mas há muitos agentes que estavam por trás, financiando os ônibus e os acampamentos. É uma grande movimentação. Aquilo não acontece por osmose, por coincidência; foi orquestrado e arquitetado. Os organizadores e financiadores não estavam mostrando sua cara”, aponta o advogado.

Segundo o especialista, neste momento “está em jogo a confiança na democracia e no próprio Estado de direito”.

“Se o Palácio do Planalto é destruído, qual é a segurança para a minha casa? Se o lugar máximo do Poder Judiciário foi destruído, qual segurança temos para um juiz no fórum no interior de um estado? Se virar moda, acabou o poder no nosso país. Aí vira guerra civil, terra arrasada. Vai abaixo toda a confiança no sistema jurídico”, afirma. “Por isso houve seriedade da reação institucional e jurídica contra a invasão.”

Em sua avaliação, o poder público “precisa compreender que é preciso melhorar as relações internas e a representatividade” para que a população cada vez mais veja na política um instrumento de melhora da vida social, com “respostas aos anseios”.

“A não violência pressupõe a melhoria dos canais institucionais, para explicar à população que, para toda insurgência e indignação, há canais institucionais efetivos. Assim é o jogo democrático. Reagir é fundamental à sobrevivência, mas a vida democrática depende de melhorar essas instituições“, argumenta.

Bolsonaro pode ser punido?

Freitas Júnior avalia que a eventual punição ao ex-presidente Jair Bolsonaro por atos de seus apoiadores dependerá das investigações. O advogado aponta que o ex-presidente poderá ser responsabilizado se houver comprovação de conspiração e ajuda na organização dos ataques.

“Se inspirou, conspirou, ajudou a organizar, tem coautoria, pode ser responsabilizado penalmente, extraditado, inclusive, e trazido ao Brasil, e aqui pode ser condenado e preso por crimes, se houver comprovação de que participou como coautor de atos criminosos contra as instituições democráticas. Isso é completamente verossímil aos olhos do direito”, indicou.

Já o cientista político Paulo Ramirez recorda que, durante o seu mandato, o ex-presidente instigou seus apoiadores contra o STF por diversas vezes, chegando a pedir a destituição de ministros.

“Vejo no horizonte uma possibilidade muito grande de criminalização do bolsonarismo, já que é contra as vias legais para produzir mudanças na sociedade, sejam elas de direita ou de esquerda. Estão destruindo as bases elementares para que haja mudanças em uma sociedade, sejam mais progressistas ou conservadoras”, afirmou no podcast.

Segundo ele, “não há comparação de qualquer outra manifestação igual a essa, foi um ataque ao poder soberano, àquele que institui as leis”.

O professor de sociologia da ESPM também comentou a eventual criação de uma comissão parlamentar de inquérito (CPI) para investigar os responsáveis pelo ataque.

De autoria da senadora Soraya Thronicke (União-MS), ex-aliada de Bolsonaro, o pedido para a criação da CPI atingiu o número mínimo necessário de 27 senadores já na segunda-feira (9), dia seguinte aos atos.

Porém, para o especialista, atingir objetivos concretos com a CPI não será uma tarefa tão simples quanto sua instauração.

“O sucesso da CPI depende da articulação dos três Poderes. Em termos de legitimidade, de nada adianta a gente ver o Congresso trabalhando para correr atrás dos desmandos e o Executivo tirando o mérito [como ocorreu na CPI da Covid], e o processo não chegou ao STF porque parou nas mãos de Augusto Aras [procurador-geral da República], que engavetou. Até hoje se aguarda uma resolução por parte dele”, lamentou Ramirez.

Por isso o especialista afirma que é necessário haver “força política e articulação dos Poderes” para que a CPI “extrapole o campo apenas da investigação e passe para a esfera criminal de ser levada às cortes”. “Não foi isso que aconteceu com a pandemia, esperamos que ocorra agora com essas manifestações golpistas“, afirmou.