Israel prometeu retaliar após forças iranianas lançarem um massivo ataque de mísseis contra seu território nesta terça-feira (01/10), em uma escalada no conflito entre as duas potências regionais que arrisca um alastramento para outras regiões do Oriente Médio.
A Guarda Revolucionária Iraniana (GRI) – uma divisão das Forças Armadas do regime islâmico – justificou o ataque como uma resposta ao assassinato de Ismail Haniyeh, líder político do grupo radicalHamas morto em julho em Teerã; e às mortes do líder do Hezbollah Hassan Nasrallah e do comandante de operações da GRI Abbas Nilforoushan em um bombardeio israelense em Beirute, na semana passada.
A Guarda Revolucionária alertou que se Israel retaliar ao ataque de mísseis, o Irã reagirá com novas agressões ao território israelense.
A atitude agressiva de Teerã veio após semanas de inação na esteira de repetidos ataques israelenses que acarretaram graves prejuízos ao Hezbollah no Líbano, principal grupo aliado do Irã na região.
Israel alega que seus ataques ao Hezbollah têm como objetivo eliminar as ameaças às comunidades israelenses no norte do país.
Após os atentados terroristas de 7 de outubro do ano passado – quando combatentes do Hamas mataram mais de 1.200 pessoas em solo israelense – em torno de 60 mil pessoas que viviam numa faixa de até cinco quilômetros próxima à fronteira com o Líbano receberam ordens para deixarem a região.
O Exército israelense confirmou que aproximadamente 180 mísseis foram lançados contra o país na noite desta terça-feira. Segundo autoridades militares de alto escalão, a maioria dos mísseis foram interceptados ou neutralizados pela Força Aérea israelense em cooperação com forças americanas.
Força ou simbolismo?
A escala do ataque iraniano levantou dúvidas se este teria sido algo meramente simbólico, ou se pode ser visto como uma demonstração crível da capacidade ofensiva do Irã.
Segundo Mojtaba Dehghani, analista político e jornalista do portal de notícias Independent Persian, o objetivo principal do Irã em meio à escalada do conflito é restaurar o equilíbrio de poder com Israel. Os ataques não seriam apenas para demonstração, ou para agradar apoiadores. Seriam, na verdade, parte de uma estratégia mais ampla que o Irã persegue há anos, disse o especialista à DW.
O Irã construiu uma rede de segurança com base em dois pilares: um programa extensivo de mísseis e nuclear que se aproxima do desenvolvimento de uma bomba atômica, e uma rede de milícias aliadas no Oriente Médio, o chamado “Eixo da Resistência”.
O Hezbollah no Líbano é o maior aliado do Irã em meio a esses grupos, que incluem também o Hamas, na Faixa de Gaza, e os rebeldes houthis no Iêmen.
A principal preocupação do regime iraniano é a de que uma não reação aos recentes ataques israelenses a membros do “Eixo da Resistência” poderia levar ao colapso de uma de suas estratégias centrais de segurança.
Os assassinatos de Haniyeh em Teerã e as mortes dos principais comandantes do Hezbollah no Líbano colocaram o Irã em posição delicada. Até 7 de outubro de 2023, havia um respeito tácito às “linhas vermelhas” que impediam um confronto direto entre o país e Israel.
Mas, desde então, essas linhas se tornaram distorcidas.
Israel enxerga os ataques contínuos, embora limitados, do Hezbollah no norte de Israel e as ações dos houthis – incluindo ataques com mísseis contra seu território e ataques a rotas de navegação no Mar Vermelho – como atos diretos de guerra instigados por Teerã.
O regime iraniano não fez nenhum esforço para se distanciar dessa percepção, ao permitir que as tensões aumentassem.
Durante anos, o Irã confiou de modo crucial na ameaça representada pelas milícias aliadas e sua capacidade de atingir bases dos Estados Unidos e o território israelense como uma barreira de proteção a seus programas de mísseis e nuclear. O enfraquecimento ou destruição das forças aliadas em todo o Oriente Médio representaria uma grande catástrofe de segurança para a República Islâmica.
Qual é o poderio militar do Irã?
O ataque com mísseis desta terça-feira deu margens a especulações sobre quais outras ferramentas o Irã possuiria e se o regime pretenderia usá-las em seu confronto contínuo com Israel.
Dehghani diz que, embora o Irã tenha investido fortemente no desenvolvimento de capacidades de mísseis, as sanções e restrições de longa data às importações de armamentos tiveram um efeito degradante. A Força Aérea e a Marinha do Irã não passaram por um processo significativo de modernização, o que resultou no enfraquecimento da presença militar “convencional” iraniana.
Consequentemente, as ferramentas de segurança disponíveis para o Irã são deveras “não convencionais”, incluindo tanto os arsenais de mísseis quanto as milícias aliadas capazes de interromper a dinâmica regional e atingir objetivos estratégicos iranianos.
Em cenários de “confronto controlado”, essas ferramentas podem permitir que o Irã inflija danos dolorosos e de curto prazo em seus adversários, completou Dehghani. No entanto, essa estratégia se limitaria a ataques “dolorosos, mas inconclusivos” a um adversário que não seriam tão eficazes no caso de uma guerra em grande escala, disse o especialista.
Irã se prepara para uma reação
Durante os ataques desta terça-feira, imagens de vídeo transmitidas a partir de Teerã mostravam apoiadores do regime comemorando nas ruas, agitando bandeiras iranianas, libanesas e do Hezbollah, aos gritos de “morte a Israel”.
Mas, ao contrário da extensa propaganda governamental no Irã, nem todos no país apoiam o confronto contínuo com Israel, ao quem a República Islâmica se refere como “regime sionista”, negando o direito de o país existir.
Após o assassinato de Nasrallah, postagens observadas nas redes sociais comprovavam que muitos iranianos se arriscaram em expressar abertamente seu apoio a Israel e tecer elogios primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Uma parcela crescente da população iraniana acredita que o regime desperdiçou recursos financeiros ao financiar grupos terroristas e guerras no Oriente Médio, e deseja o fim dessa política.
Após o ataque, a DW conversou com alguns iranianos, na condição de anonimato, que relataram que os perfis iranianos nas redes sociais estão sendo monitorados pelas autoridades, que registram entrevistas e comentários com críticas ao regime. Imagens de vídeo não verificadas também mostravam longas filas em postos de gasolina.
O ataque iraniano aumentou a probabilidade de uma reação mais forte de Israel do que durante um confronto semelhante em abril, quando o Irã lançou 300 mísseis e drones em resposta a um ataque aéreo israelense a um consulado iraniano em Damasco, na Síria.
À época, um esforço diplomático internacional coordenado impediu Tel Aviv de lançar uma retaliação em larga escala. Israel acabou realizando um ataque limitado, mas simbólico, perto de uma instalação nuclear iraniana, causando danos mínimos, mas sinalizando sua capacidade de ataque.
Desta vez, porém, ainda não está claro se Israel demonstrará comedimento em sua reação.
Os alvos potenciais para Israel podem variar de instalações nucleares do Irã e bases da Guarda Revolucionária até as plataformas de lançamento de mísseis e depósitos de munição de onde partiram os últimos ataques iranianos.
Uma fonte israelense não identificada afirmou à emissora Canal 12 em Israel que qualquer reação às ações do Irã deverá ser consideravelmente mais grave, e que a República Islâmica ainda não enfrentou nem mesmo 1% do que Israel poderia desencadear em um futuro próximo.