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‘Sinuca de bico’: como ficam as relações Brasil-Ucrânia após descortesia de Zelensky com Lula?

Recente visita de Celso Amorim a Kiev e nomeação de novo embaixador ucraniano para o Brasil apontavam para um ano de renovação nas relações entre Brasil e Ucrânia. Saiba como ausência de Zelensky em encontro marcado com Lula pode afetar a retomada do diálogo entre Brasília e Kiev.

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O ano de 2023 prometia ser de retomada das relações entre Brasil e Ucrânia. Após anos de relacionamentos bilaterais tímidos, a viagem do assessor do presidente Lula, Celso Amorim, a Kiev e a nomeação de um novo embaixador ucraniano para o Brasil anunciavam uma reaproximação entre os países.

No entanto, a descortesia diplomática cometida pelo presidente ucraniano, Vladimir Zelensky, ao não comparecer a uma reunião previamente acordada com seu homólogo brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, durante a Cúpula do G7 do Japão, abala a retomada de contatos bilaterais.

“O fato é muito simples, tinha uma bilateral com a Ucrânia aqui neste salão. Nós esperamos e recebemos a informação de que eles tinham atrasado. Enquanto isso, eu recebi o presidente do Vietnã. Quando o presidente do Vietnã foi embora, a Ucrânia não apareceu. Certamente teve outro compromisso e não pôde vir aqui. Foi simplesmente isso o que aconteceu”, relatou o presidente Lula, durante coletiva de imprensa sobre suas atividades na Cúpula do G7.

De acordo com o professor da Universidade de Relações Exteriores da China, Marcus Vinicius de Freitas, a reunião do G7 foi uma “sinuca de bico para o presidente Lula”.

“O objetivo de Zelensky era claro na reunião: […] forçar os países neutros – Brasil, Índia e Indonésia – a assumirem um apoio tácito à Ucrânia, pressionando-os o máximo possível a reverterem sua posição”, disse Vinicius de Freitas à Sputnik Brasil.

O especialista considera que um encontro entre Lula e Zelensky só seria produtivo “caso o Brasil tivesse mudado seu posicionamento – firmado no governo anterior e mantido pelo atual – de manter-se neutro em razão dos interesses que lhe afetam mais particularmente”.

O professor nota que a liderança ucraniana está engajada em uma “batalha pela opinião pública global”, com o objetivo não só de manter o apoio dos países do Ocidente político ao seu esforço de guerra, mas também reverter o posicionamento das populações do Sul Global.

“Para Zelensky, seria importante o apoio […] do Sul Global, que não está muito convencido sobre a validade da guerra e não pretende ser incluído […] em uma guerra que tem mais características de um conflito por procuração, do que efetivamente de proteção de interesses nacionais, em um requentado conflito herdado da Guerra Fria”, acredita Vinicius de Freitas.

O governo ucraniano recentemente escalou mais um soldado na luta pela opinião pública global: o diplomata Andrei Melnik, recentemente nomeado embaixador da Ucrânia no Brasil. Melnik, que chegou a ocupar o cargo de vice-chanceler de seu país, é conhecido por travar batalhas acaloradas nas redes sociais com celebridades e autoridades internacionais, como o chanceler Olaf Scholz e o bilionário Elon Musk.

No Brasil, a expectativa é que Melnik utilize essas experiências para atrair a atenção do eleitorado brasileiro e influenciar o debate doméstico sobre o conflito.

Retomada diplomática?

As relações diplomáticas entre Brasil e Ucrânia foram firmadas em 1992, pouco depois da independência ucraniana, obtida após a queda da União Soviética. Em 2022, os países celebraram os 30 anos de contatos, prometendo aprofundar os laços comerciais, culturais e políticos.

Mas nem tudo foram flores nessas três décadas. A grande aposta brasileira em seu relacionamento com Kiev era a de selar acordos de transferência de tecnologia em áreas nas quais a Ucrânia possui know-how herdado da URSS, como no setor espacial.

Em 2003, durante o governo Lula 1, os países criaram a entidade binacional Alcantara Cyclone Space (ACS), para lançar veículos espaciais Cyclone 4, de fabricação ucraniana, no Centro de Lançamento de Alcântara brasileiro. Para a Ucrânia, o acordo garantiria a retomada de empregos no seu setor espacial, enquanto o Brasil tentava recomeçar após a explosão de seu veículo espacial VLS-1 na base de Alcântara, em 2003.

Documentos revelados pelo Wikileaks em 2009 revelam um veto norte-americano à iniciativa ucraniano-brasileira. Nos telegramas trocados entre a Embaixada dos EUA em Kiev e o Departamento de Estado em Washington, os EUA reafirmavam sua “duradoura política de não encorajar o programa autóctone de veículos de lançamento espacial do Brasil”, solicitando à Ucrânia que abandonasse a iniciativa.

A negativa norte-americana surtiu efeito e inviabilizou a cooperação espacial entre Brasil e Ucrânia. Em 2015, a parte brasileira formalizou o fim da iniciativa conjunta com a Ucrânia, deixando um prejuízo de R$ 1 bilhão para os respectivos governos e sepultando o principal projeto das relações bilaterais.

Passados oito anos, a volta de Lula ao poder e o ímpeto brasileiro de ampliar sua participação em assuntos internacionais abriu uma porta para o relançamento deste e outros projetos bilaterais. Mas, ao que tudo indica, a ausência de Zelensky em seu encontro marcado com Lula pode ter entornado o caldo da retomada da cooperação entre Brasil e Ucrânia.

Entre os dias 19 e 21 de maio, o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, participou da Cúpula de líderes do G7 (grupo composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, com representação da União Europeia), Lula se reuniu com líderes de países como França, Alemanha, Índia, Vietnã, Austrália, Japão, Indonésia, entre outros. No domingo (21), o presidente ucraniano Vladimir Zelensky não compareceu à reunião marcada com o mandatário brasileiro, sem providenciar explicações para sua ausência. De acordo com o governo brasileiro, o motivo do desencontro foi a “incompatibilidade de agendas”.