O Supremo Tribunal Federal (STF) condenou nesta quinta-feira (14/09) a 17 anos de prisão o primeiro réu julgado pela invasão e depredação das sedes dos Três Poderes em 8 de janeiro.
Por maioria, a Corte concordou com os crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) a Aécio Lúcio Costa Pereira, 51: associação criminosa, golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Morador de Diadema (SP), Pereira havia publicado um vídeo nas redes sociais durante a invasão do Senado, mas acabou preso em flagrante pela Polícia Legislativa no plenário da Casa.
Ele terá que cumprir 15 anos e 6 meses em regime fechado e 1 ano e 6 meses em regime aberto, além de pagar uma multa de R$ 44 mil e uma indenização de R$ 30 milhões por danos morais coletivos – esta última a ser quitada de forma solidária por todos os condenados.
Relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes destacou, ao proferir seu voto, que “não existe liberdade de manifestação para atentar contra a democracia, pedir AI-5, volta da tortura, para pedir a morte de inimigos políticos, dos comunistas, para pedir intervenção militar”. “Isso é crime”, frisou.
Defesa nega participação no quebra-quebra
A defesa de Pereira nega que ele tenha participado do quebra-quebra e alega que o réu deveria ser julgado na primeira instância.
Um dos advogados dele, o desembargador aposentado Sebastião Reis Coelho, é investigado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sob suspeita de incitar atos golpistas.
Pereira está preso desde a invasão dos Três Poderes e foi exonerado do cargo que ocupava na Sabesp, a empresa de águas e esgoto de São Paulo.
No julgamento desta quinta, prevaleceu a tese da PGR de que os crimes do 8 de Janeiro foram cometidos por uma multidão e que, por isso, todos respondem pelo resultado do crime, sem necessidade de individualização de conduta.
Outros 231 ainda devem ser levados a julgamento
Esta é a primeira vez que o STF julga civis por tentativa de golpe de Estado, enquadrando-os na nova Lei dos Crimes Contra o Estado Democrático de Direito, de 2021, que substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional.
Além de Pereira, outras 231 pessoas denunciadas pela PGR responderão perante a Corte por crimes mais graves relacionados ao 8 de janeiro – destas, três já foram incluídas na pauta do tribunal, cuja sessão teve início na quarta e continua nesta quinta. O número pode aumentar, já que a PGR entregou no início desta semana outras 31 denúncias. Outros mais de 1.000 casos estão sob análise da Procuradoria e poderão ser objeto de acordos de não persecução penal.
Como votaram os ministros
Oito dos 11 ministros concordaram com a PGR em enquadrar Pereira pelos crimes de associação criminosa, golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado. Foram eles: Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Dias Toffoli, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Rosa Weber. Zanin, porém, propôs uma pena menor, de 15 anos de prisão.
O ministro Roberto Barroso votou por absolver o réu do crime de abolição violenta do Estado democrático, argumentando que a condenação por golpe de Estado já abarca os fatos em análise, e sugerindo uma pena de 10 anos de prisão.
Já André Mendonça descartou o crime de golpe de Estado, concordando com as condenações pelos outros quatro crimes e sugerindo pena total de 7 anos e 11 meses de prisão. Segundo ele, o golpe pressupõe uma “ordem jurídica e institucional”, algo que dependeria de “uma ação de outras forças, basicamente dos militares”; pelo raciocínio do ministro, como o golpe não prosperou, não caberia essa acusação.
Kassio Nunes Marques foi o único a votar pela absolvição do réu pelos crimes mais graves, imputando-lhe apenas dano qualificado e deterioração de patrimônio, calculando uma pena de 2 anos e 6 meses.
Tanto Mendonça quanto Nunes Marques assumiram um assento no STF por indicação do ex-presidente Jair Bolsonaro, suspeito de incitar atos golpistas.
Embora estivesse nos Estados Unidos quando a invasão aconteceu, Bolsonaro não reconheceu oficialmente a derrota nas urnas e questionou a confiabilidade do sistema de votação eletrônico. Seu ex-ministro da Justiça, Anderson Torres, era à época da depredação Secretário de Segurança do Distrito Federal e comandava a Polícia Militar, que escoltou a multidão de apoiadores de Bolsonaro até a Praça dos Três Poderes. Militares simpáticos ao ex-presidente também teriam sido coniventes com o quebra-quebra.
Bate-boca entre Moraes e Mendonça
Durante a sessão desta quinta, os ministros Moraes e Mendonça chegaram a discutir após o segundo colocar a depredação em Brasília na conta do Ministério da Justiça, comandado por Flávio Dino – emulando uma retórica popular entre apoiadores de Bolsonaro.
“Eu não consigo entender, e também carece de resposta, como o Palácio do Planalto foi invadido da forma como foi invadido”, afirmou Mendonça.
Moraes reagiu apontando a omissão da Polícia Militar, subordinada ao governo do DF, a quem também caberia autorizar o emprego da Força Nacional.
“Não em relação aos prédios federais”, interpelou Mendonça.
“Mas não em relação aos Três Poderes. Com todo respeito: Vossa Excelência querer falar que a culpa do 8 de Janeiro é do ministro da Justiça é de um absurdo…”, contra-argumentou Moraes. “Vossa Excelência vem no plenário do Supremo Tribunal Federal – que foi destruído – para dizer que houve uma conspiração do governo contra o próprio governo? Tenha dó”.
ra (ots, Agência Brasil, AFP)