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Tragédia de Brumadinho ainda afeta moradores da região

Buscas por três vítimas seguem cinco anos após rompimento da barragem. Atingidos ainda sofrem com as consequências do desastre. Falta de punição aos responsáveis causa indignação.

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Daiana Almeida perdeu a esperança de encontrar o irmão, Tiago Tadeu da Silva. Ele é uma das três vítimas ainda não localizadas após o colapso da barragem da Vale em Brumadinho, em 25 de janeiro de 2019.

“São cinco anos de muito sofrimento. Imagina acordar e dormir com esperança de o telefone tocar? A Vale e a TÜV Süd são responsáveis pelo crime e não entregaram e nunca vão entregar o corpo dele”, critica Almeida à DW.

Tiago trabalhava na Vale há dez anos, tinha acabado de se formar em engenharia mecânica e receberia o diploma em março de 2019. O nome dele está estampado em painéis por Brumadinho, que lembram os cinco anos da tragédia. Para a Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem Mina Córrego do Feijão (Avabrum), o tsunami de rejeitos causou 272 mortes, já que duas mulheres estavam grávidas.

O irmão de Cléria Nogueira, prestador de serviço da Vale, se salvou. Mas o compadre dela não conseguiu escapar: ele e outros dois colegas tiravam um cochilo pós-almoço dentro de um contêiner quando a barragem rompeu. Eles morreram por asfixia três dias depois, apontou o laudo da perícia. “A Vale faz estas propagandas na televisão de que está dando dinheiro, de que está reparando. Mas ninguém apareceu para dar suporte humanitário. Nossas vidas não serão reparadas nunca”, lamenta Nogueira.

Ninguém foi preso como responsável pela tragédia, o que provoca revolta em muitos familiares das vítimas e sobreviventes. Um processo tramita na Justiça brasileira e pede a condenação de 16 pessoas ligadas à Vale e à empresa alemã TÜV Süd por homicídio qualificado, crimes contra a fauna e poluição.

Vilas fantasmas

A trinta quilômetros da antiga mina da Vale, o sítio onde Gilmar Martins vive foi sondado como área para abrigar uma barragem de rejeitos de uma outra mineradora. À época, ele e os quilombos vizinhos se mobilizaram e conseguiram barrar o projeto. Mas a comunidade sentiu o impacto da tragédia de 2019.

“Foi um período muito difícil. Quem produzia não tinha mais onde vender os seus produtos. E até hoje tem pessoas que não compram nada. Após cinco anos, quando se fala que o alimento é de Brumadinho, ninguém quer. Então a gente continua sendo privado por este crime dessa mineradora”, afirma o pequeno produtor rural, que cultiva hortaliças e legumes.

Ao longo da calha do rio Paraopeba, que recebeu os rejeitos da barragem de Brumadinho, comunidades viraram fantasmas. Em São José da Varginha, cidade 90 quilômetros abaixo do epicentro da tragédia, a família de Elaine Leite Melo viu o número de casas abandonadas aumentar nos últimos cinco anos.

“O rio era nossa fonte de renda, era nossa fonte de diversão. Era um ponto turístico. Era vida. E hoje ele é apenas uma lembrança de algo ruim. Hoje a gente não pode mais pescar, não pode navegar, não pode mais nadar. Então ele morreu, é como se ele não existisse mais pra gente”, relata Melo.

A orientação do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) é de que a água do rio não seja consumida. Análises independentes feitas pelo Instituto Guaicuy, assessoria técnica independente que atua em dez municípios, de Curvelo a Três Maria, constataram alterações em peixes e nos níveis de metais, além da piora na qualidade da água no período chuvoso.

O acúmulo de rejeitos no leito do rio traz outra preocupação para Adilson Mariano Vieira, morador da comunidade dos Rosas, em Florestal. Cada vez que o rio transborda e causa enchentes, o terreno perde em produtividade. “As galinhas que comeram minhocas que estavam na área inundada pela enchente morreram. A gente plantou feijão na área, mas não dá mais”, conta Vieira, que aguarda o resultado de uma coleta de solo feita pelo Igam.

Críticas à reparação

Todos os atingidos ouvidos pela DW estão entre os 134 mil incluídos no Programa de Transferência de Renda (PTR). A iniciativa é parte do acordo firmado entre as instituições de Justiça e a Vale para compensar moradores de 26 municípios que, de alguma forma, se desestruturaram após a tragédia em Brumadinho. O pagamento mensal é de um ou meio salário-mínimo, a depender do caso.

Um cálculo feito pelas assessorias técnicas independente Aedas, Nacab e Guaicuy estima que 250 mil pessoas tenham sido impactadas pela catástrofe socioambiental causada por Brumadinho. Para muitos que tiveram que abandonar a atividade que exerciam, o dinheiro do PTR é insuficiente. “Não dá para comprar os remédios”, diz Maria Aparecida Soares, que produzia hortaliças na comunidade de Tejuco, em Brumadinho.

A sensação da falta de reparação é comum. Muitos recorreram à Justiça exigindo indenizações por danos que nunca foram contabilizados, como perda de renda, mudança no modo de vida, agravamento de doenças mentais, entre outros.

Cléria Nogueira, por exemplo, narra a transformação em Ponte das Almorreimas, comunidade rural em Brumadinho. Dentre as mudanças bruscas, famílias tiveram suas terras desapropriadas contra a vontade para a construção de um ponto de captação de água no rio Paraopeba. A obra está há mais de três anos atrasada.

Um estudo mais detalhado feito pelo Núcleo de Assessoria às Comunidades Atingidas por Barragens (Nacab) aponta a dificuldade de os moradores obterem sentenças favoráveis nos tribunais mineiros. De 319 decisões analisadas, 75% dos casos julgados na segunda instância são a favor da Vale.

Vidas interrompidas

Na chamada zona quente, a mais próxima à barragem que rompeu, 17 bombeiros seguem as buscas pelas três vítimas não localizadas. Eles vistoriam rejeitos retirados do solo, transportados em esteiras gigantes sob a vigilância dos profissionais. Quando eles avistam um material suspeito, interrompem as máquinas.

Cinco anos depois, este método de busca traz angústia à irmã de Tiago, um dos desaparecidos. “O corpo dele está naquele local. Por isso, eu suplico que parem com as buscas e construam na mina do Córrego do Feijão um parque arborizado, onde possamos fazer lá nossas orações no Dia dos Finados e no dia a dia. Quando o coração estiver mais apertado é pra lá que iremos”, justifica Daiana Almeida.

Perto da antiga barragem ficava o sítio de Paulo, irmão de Maria Aparecida Soares. Eles se falavam ao telefone no momento em que a estrutura estourou. Ela entrou em depressão, sofreu com o luto, perdeu os compradores de suas hortaliças e teve que abandonar o campo. “Muita gente fica achando que o povo de Brumadinho está rico, mas não tem reparação. A única coisa diferente é esta cooperativa”, diz Soares, enquanto coloca bolos de laranja para assar.

A cozinha comunitária é uma cooperativa de trabalho construída com dinheiro da Vale como forma de indenização social. Atualmente, dez mulheres usam o espaço para produzir pães, doces, bolos e vender nas redondezas.

“Todo dia 25 de janeiro é um velório. As pessoas nem imaginam a nossa indignação. A Vale mostra na televisão que tudo está reparado, mas não está”, lamenta Soares, emocionada. “A gente tenta levar a vida, eu mexo aqui na cooperativa, mas a gente não vive, a gente sobrevive”.