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Um ano depois, América Latina mantém distância da guerra

Apesar de gestos de solidariedade com a Ucrânia, governos latino-americanos seguem defendendo política de neutralidade frente ao conflito contra a Rússia.

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Os impactos da guerra na Ucrânia, que completa um ano nesta sexta-feira (24/02), se fizeram sentir sobre a economia da América Latina, num momento em que a região ainda se recuperava da crise causada pela pandemia de covid-19. No plano político, no entanto, governos latino-americanos se mantêm distantes do conflito.

“Na América Latina, a percepção é, em grande parte, a de que se trata de um assunto do Ocidente [do qual a região não faria parte]”, afirma o cientista político Ralf Juan Leiteritz, professor da Universidade de Rosário em Bogotá, Colômbia.

“Ainda que a maioria dos países latino-americanos tenha apoiado no ano passado as resoluções da ONU que condenaram a Rússia como causadora da guerra, eles rechaçam, em princípio, medidas de maior alcance, como sanções econômicas ou o envio de armas à Ucrânia — mesmo com pedidos explícitos vindos dos EUA. Remetem à sua tradicional política de neutralidade em relação a conflitos internacionais, e temem efeitos econômicos negativos para suas economias em caso de um estado de guerra prolongado”, acrescenta.

Não enviar armas à Ucrânia

Seis países latino-americanos contam com tanques e equipamento bélico de design russo ou soviético em seus arsenais militares. São eles Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, México e Perú.

Diferentemente dos tanques americanos Abrahms e dos Leopard alemães, que exigem um maior esforço logístico, o equipamento de origem soviética proveniente da América Latina seria de grande utilidade para a Ucrânia, já que seus soldados estão familiarizados com esses sistemas. No entanto, houve um onda de negativas de suporte bélico por parte de governos latino-americanos.

O Exército Brasileiro possui, por exemplo, lançadores de mísseis 9K38 Igla, de origem russa, comprados nos anos 1990. Além disso, tem tanques do modelo alemão Leopard. Mas, após a Alemanha aprovar o envio de blindados do tipo à Ucrânia, o Brasil se recusou a fornecer ao país em guerra munição de que dispõe para o veículo.

“O Brasil não tem interesse em passar as munições para que elas sejam utilizadas na guerra entre Ucrânia e Rússia. O Brasil é um país de paz, o último contencioso nosso foi a guerra do Paraguai. E, portanto, o Brasil não quer ter qualquer participação, mesmo que indireta”, disse o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, durante visita do chanceler federal alemão, Olaf Scholz, a Brasília, no fim de janeiro.

Posteriormente, em encontro em Washington com o presidente americano, Joe Biden, o presidente brasileiro adotou a mesma postura. Mais recentemente, na Conferência de Segurança de Munique, o ministro das Relações Exteriores Mauro Vieira reiterou a negativa.

Durante visita de Scholz à Argentina, em 23 de janeiro, o presidente Alberto Fernández também enfatizou que seu país não está pensando em enviar armas à Ucrânia.

Dias antes, o presidente colombiano, Gustavo Petro, afirmou preferir que armas russas antigas adquiridas por seu país permaneçam como “sucatas” na Colômbia do que entregá-las à Ucrânia.

Proximidade com a Rússia?

Analistas veem a negativa de países latino-americanos em sancionar a Rússia e fornecer ajuda militar à Ucrânia como uma prova do antiamericanismo na região e de uma aproximação com Moscou. Porém, isso não pode ser confundido com uma aprovação da invasão da Ucrânia, pondera Leiteritz.

“Há muito tempo, a política externa latino-americana tem se orientado pela busca por autonomia. Ela busca seu próprio nicho entre o Ocidente e outras grandes potências — como China e Rússia. Nas últimas décadas, no entanto, o Ocidente perdeu influência política e, sobretudo, econômica na América Latina, sem necessariamente ser substituído por Rússia e China”, acrescenta o cientista político.

Um novo interesse na região?

A atual batalha geopolítica global pelo controle e acesso a recursos energéticos colocou a América Latina no radar de muitos países ocidentais.

Um exemplo disso é a recente viagem de Scholz ao Brasil, onde discutiu o potencial brasileiro para produzir hidrogênio verde, e a Argentina e Chile, países que, junto com Bolívia, formam o “triângulo do lítio“, matéria-prima utilizada na produção de baterias para carros elétricos.

Contudo, há dúvidas sobre a possibilidade de a América Latina se beneficiar geopoliticamente com a guerra na Ucrânia.

“O Ocidente faz pouco esforço para atender a América Latina e suas preocupações específicas. Em vez disso, os interesses econômicos do Ocidente ocupam o primeiro plano”, afirma Leiteritz.