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‘Washington de ponta-cabeça’: o que eventual vitória de Trump representa em termos globais?

O mundo está observando o avanço de Donald Trump para concorrer à presidência americana como candidato pelo Partido Republicano. Se vencer, Trump pode alterar o curso da política externa estadunidense de modo decisivo.

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Aqui, estamos diante de uma provável repetição do pleito presidencial anterior, entre Joe Biden (que venceu as eleições em 2020 pelos democratas) e o próprio Donald Trump, candidato derrotado naquela ocasião.

Entretanto, muitos analistas nos Estados Unidos – e mesmo fora do país – parecem acreditar dessa vez em uma segunda vitória de Trump diante de Biden. A questão está no fato de que Trump é menos impopular hoje nos Estados Unidos do que Biden, segundo pesquisas de opinião, o que o credencia a certo favoritismo em relação ao democrata.

Com vitória de Trump, por sua vez, os aliados de Washington ficarão ainda mais alerta sobre os possíveis rumos da Casa Branca. Afinal, Trump acredita que a OTAN vem tirando vantagem dos Estados Unidos. Trump também prometeu que, se eleito, vai ser capaz de lidar com o conflito na Ucrânia no mesmo dia. Enquanto isso, vozes histéricas na Europa tentam manter o apoio americano a Kiev alegando que se a Rússia se sair bem-sucedida do conflito, o próximo passo de Moscou será a tomada dos Estados Bálticos e depois da Polônia, o que se trata de uma completa loucura.

A partir desse argumento estapafúrdio é que se vem justificando o apoio financeiro e armamentista à Ucrânia, que já mostrou por A mais B que não é capaz de vencer. Trump, por sua vez, parece avesso à continuidade do conflito na Europa, o que coloca muitos líderes no continente apreensivos quanto à perspectiva de uma possível vitória do republicano. Seja como for, as eleições americanas serão em novembro, logo as hostilidades na Ucrânia devem permanecer pelo menos por boa parte do ano de 2024.

A destruição resultante dos continuados combates colocará em ainda maior risco a economia ucraniana e o governo de Kiev em ainda maior dependência do Ocidente. O atual presidente americano Joe Biden parece bastante confortável com essa situação, e certamente não será a pessoa a iniciar um processo de negociação de paz para resolver a situação no Leste Europeu.

A Rússia, por sua vez, não abrirá mão dos novos territórios adicionados à Federação em setembro de 2022, e também não vai abrir mão da cláusula de neutralidade da Ucrânia em relação à OTAN. Por outro lado, se Trump pretende mesmo terminar com o conflito em “um dia”, é preciso esclarecer a Zelensky que as demandas de segurança da Rússia são absolutamente inegociáveis. Ademais, a Ucrânia sabe que se os Estados Unidos cortarem o seu apoio, o Exército de Kiev não terá condições de levar muito adiante o conflito. Portanto, o tempo joga a favor da Rússia. Somente Joe Biden que ainda não percebeu isso.

É em vista disso que Zelensky e parte da liderança ocidental não veem com bons olhos a perspectiva de que os Estados Unidos, a partir de 2025, possam estar sob uma gestão radicalmente diferente. Afinal, a Europa, como já é sabido, não tem tantos tanques ou granadas para enviar à Ucrânia por tempo indeterminado. Alguns países europeus importantes, como a Alemanha e a França, por exemplo, têm feito inclusive pausas no fornecimento a Kiev, perguntando-se se serão capazes de satisfazer suas próprias necessidades de defesa no futuro, assim como suas próprias obrigações perante a Aliança Atlântica.

Trump, por outro lado, que detém uma profunda desconfiança por alianças que imponham limitações aos Estados Unidos, olha para a OTAN como um instrumento anacrônico, usado pelos europeus para se aproveitar dos favores de segurança fornecidos por Washington. Por vários momentos, antes e durante seu mandato presidencial de 2016 a 2020, Trump indicou que era chegada a hora dos países europeus pensarem na sua própria defesa e de pagarem por isso.

Advém dessa condição o pavor da Europa em ser deixada sozinha novamente, sobretudo pelo fato de o continente não ter aprendido a andar com as próprias pernas a partir da Segunda Guerra Mundial. Todas essas apreensões estão justamente relacionadas com um possível segundo mandato de Trump. Seja como for, até que as eleições ocorram no mês de novembro, o atual presidente americano Joe Biden encontra-se em uma fase conhecida como “lame duck” (ou pato manco, em tradução literal), na qual muito pouco se pode fazer em termos de política externa, por conta de suas ocupações com sua corrida eleitoral desse ano.

Isso faz com que os aliados dos Estados Unidos se vejam em um estado de espera, até mesmo de suspensão. Afinal, quando o presidente Biden ou a sua equipe de segurança nacional pensam em questões estratégicas e de defesa, eles têm em mente que, muito provavelmente, nem a equipe nem o próprio Biden estarão presentes em 2025 para levar a cabo suas ideias.

Trump, em função de seu slogan America First (América primeiro) pretende atender à escola de pensamento mais isolacionista da política externa americana, a mesma que fora exercida pelo país até a primeira metade do século XX. Isso quer dizer que Washington deverá implementar, segundo o republicano, políticas mais independentes, sem assumir muitos compromissos internacionais, seja com a ONU, a OTAN ou o G7. Em especial, dadas as divisões dentro do Congresso americano, é quase impossível que o próprio Biden possa manter em bom termo os compromissos atuais dos Estados Unidos, vide a crise administrativa com o estado do Texas e outras duas dezenas de estados federados em torno da questão migratória na fronteira sul com o México.

Além do mais, Biden também tem enfrentado críticas pelo modo como lidou com a crise no Oriente Médio envolvendo Israel e a Palestina e, não esqueçamos, pela maneira como os americanos deixaram o Afeganistão em 2021. Em suma, Trump logo deverá confirmar-se como o candidato dos republicanos no pleito de novembro ao longo das próximas primárias nos Estados Unidos.

Com as perspectivas dessa nomeação e uma provável vitória no final de ano, uma segunda presidência de Trump deverá abalar certamente alguns dos principais fundamentos da política externa estadunidense. Se a América de fato vier a se isolar a partir de 2025, por sua vez, veremos não somente mudanças geopolíticas na Europa e no próprio Oriente Médio, como também na própria Ordem Internacional, que dará passos ainda mais largos rumo à multipolaridade.

As opiniões expressas neste artigo podem não coincidir com as da redação.